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Qual é a tua casca de banana?

Todos temos a nossa. É aquela especial, que vemos ali no chão. Está à nossa frente. Sabemos da sua existência, sendo que muitas vezes já é uma velha conhecida. Lembramo-nos dela, do que ela significa, das dores que ficam depois de escorregarmos nela e cairmos no chão.

A casca de banana é aquela situação em que escorregas sempre. Aquela situação que já sabes que te vai afetar e que, de forma ainda automática, não consegues evitar. Por vezes já de forma consciente, vês que está ali, já sabes o que significa, o que implica, as dores da caída, mas não consegues impedir a escorregadela. Pode ser por exemplo quando te sentes invadido por alguém quando te faz uma pergunta. Ou quando vais atrás daquela pessoa que sabes que é tóxica para ti. Quando há algo que fazes que sabes que te vai fazer mal e que não consegues evitar. É como um íman.

Como olhar para esta casca de banana?

Primeiro há que saber que ela existe, que está ali e qual é a situação que ela representa. Mesmo que depois não consigas evitar a escorregadela, o primeiro passo, antes de qualquer possibilidade de evitar a dita, é saber que ela está lá. É perceber o que te atrai a ela, como é que a caída se faz e mais importante: como é que te sentes depois. Onde te afeta? Ficas com raiva? Sentes-te mal contigo próprio/a? Ficas triste? E dás espaço ao que sentes, ou tentas evitar? Levantas-te rapidamente, sacodes a roupa e segues em frente, com o ar de que não se passa nada?

Saber isto não invalida que não vás voltar a escorregar na casca. Porque ficou um movimento automático. O teu corpo, a tua mente, estão a fazer isso há muito tempo. Não será de um dia para o outro que o automatismo desaparece porque, infelizmente, não funciona como interruptor. Temos de ver mais como aquelas luzes que dá para diminuir a intensidade. E é essa a etapa seguinte. Antes mesmo de conseguir evitar a escorregadela, fazer com que a queda seja mais suave ou que a possibilidade de nos levantarmos seja mais rápida, passando menos tempo no chão. E como fazemos isto? Aceitando a situação, evitando guerrear com os nossos automatismos (percebendo que são formas de reagir) e acima de tudo: não nos batermos por ter novamente acontecido. Podemos fazer muito mais, mas isso dependerá da própria situação e, claro, da própria pessoa.

O objetivo é chegar a um momento em que, ao caminharmos na vida, conseguimos ver a casca de banana ao longe. Temos a capacidade de antecipar a sua presença e também a nossa reação, e conseguimos contorná-la sabiamente. Não significa que nunca mais vamos escorregar, que nunca mais vamos ficar afetados ou cair redondos no chão. Significa que acontecerá menos vezes, que quando acontecer não é dramático e o tempo de crise não será o mesmo.

Então, qual é a tua casca de banana?

Foto de Unsplash por Louis Hansel

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O Cabo Bojador

“Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.”

Fernando Pessoa – A Mensagem

A dor não é simpática. Não gostamos dela e dela fugimos. Seja física, psicológica, emocional ou um mix match (mistura) de tudo isto. O ser humano esmerou-se nisso, nessa fuga da dor. E fê-lo bem. É uma questão de sobrevivência. Não falamos da morte. Escondemos os sentimentos. E quando dói algo que queremos resolver rapidamente, tomamos um analgésico. Pain killer em inglês: matar a dor. E matando dor a dor, vamos prosseguindo, tornando-nos dormentes com distrações, drogas, álcool, trabalho a mais. Varremos para debaixo do tapete aquelas que são as dores invisíveis aos olhos dos outros (e por isso tantas vezes tão mal-aceites): a tristeza, o aperto no peito, o medo do futuro, o medo de sermos abandonados, a raiva de nos terem enganado, a injustiça do insucesso.

No fundo afundamos em nós as nossas histórias ou recontamos sem o pano de fundo, aquilo que efetivamente aconteceu ou o que realmente sentimos. Mas há um momento (há sempre um momento, não é?) em que a vida dá um pontapé certeiro nesse tapete, ou na coleção de tapeçarias que tão bem vamos guardando. E puf. Tanto que fica pelo ar. Tanto pó e monstrinhos a pairar que deixamos de ver bem. Perdemos perspetiva, tudo à nossa volta perde a forma. Não sabemos que passo dar, para onde nos dirigir, a quem pedir ajuda. Como valentes guerreiros, tentamos continuar, e muitos continuam (e por vezes ainda bem), na funcionalidade. Às apalpadelas, vamos encontrando caminhos, óculos distratores da poeirada e talvez ainda com a ajuda de um antialérgico para tapar os espirros que pó provoca. Bem-vindos às crises.

Um parêntese: ainda bem que continuamos, ainda bem que por vezes usamos distrações, ainda bem que tentamos fazer o nosso melhor com aquilo que temos. E às vezes não podemos fazer melhor num dado momento que não seja varrer essa dor.

Mas… O que fazer? A dor existe. É palpável, é sentida. Seja física ou psicológica. E por vezes a melhor saída é ter de a sentir e passar por ela. Não é alimentá-la ou cair na vitimização ou até mesmo na desresponsabilização. É assumi-la como nossa, aceitar que está ali e que temos de a cuidar. Sem a varrer. É como passar o Cabo Bojador. Se queremos ver o que está além da dor, temos de passar por ela. Não significa alimentar o sofrimento, sublinho novamente. É contactar com essa tristeza, raiva, medo. E podemos fazê-lo com segurança. Não temos (nem aconselho) de o fazer com uma leve canoa. Podemos construir um navio robusto, forte que nos ajude a dobrar o Cabo. Este navio são as nossas pessoas, ferramentas, terapia, medicação… Mas somos nós que temos de estar ao leme, gerir as coordenadas, verificar as cordas.

Se custa? Sim. Por isso é mais fácil varrer. É difícil construir o navio e é difícil passar pelo Cabo. E, não vos querendo assustar, há mais Cabos. E às vezes temos de dobrar uns atrás dos outros. Mas vamos ganhando experiência no caminho, já temos o navio construído e por vezes os Cabos vão parecendo mais pequenos e fáceis de ultrapassar. As crises já não são tão prolongadas e o “ir abaixo” já não é tão lá em baixo. Parece um final idílico, feliz. Gosto de ver como esperançoso e não como um final. É possível trabalhar, melhorar, transformar a dor. Mas é duro. É um trabalho contínuo.

E muitas vezes vamo-nos deparar com mais um Cabo e perguntar: outra vez? Estamos cansados, ainda não reparámos sequer o convés da última aventura que foi mesmo agora. Assim pode ser a vida. Respira, confia. E navega. E não te esqueças que tens uma âncora. E por vezes podes parar um pouco. Nem que seja um dia. E no dia seguinte, enches o peito de ar e a toda a brida! Com cautela e coragem no coração.

Imagem: Jasper van der Meij em Unsplash

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Simplificar

Encarar tudo de forma mais simples, ou simplificar, é perceber que, por vezes, menos é mais. E o que será isto do “menos”?

Certamente que será algo diferente para cada um de nós e, conforme já referi, cada um de nós poderá fazer a sua interpretação e de acordo com o momento de vida que está a viver. Ainda assim, este “menos” simboliza claramente a diminuição de algo que nos aflige, que nos faz mal, mas de forma realista e sem ser através do evitamento. Ao fazer isso, permitimos que surja mais espaço na nossa vida ou dentro da nossa cabeça para que outras coisas se ampliem.

Creio que todos queremos ser felizes, genericamente falando, pois à parte as diferenças entre todos, o ser humano procura o prazer, a felicidade, a satisfação… Seja através da profissão, da nossa relação com os outros ou da forma como vivemos connosco (ou com tudo conjugado). No fundo, a forma como estamos na vida, virados para todos estes pontos cardeais e pautados pela simplicidade no estar, pode dar azo à potencialidade de estarmos saudavelmente conectados connosco e com tudo o que nos rodeia.

(…)

E ao refletir um pouco concluí algo que pode ser um cliché, mas que é algo que podemos desejar e procurar encontrar: a melhor fase da nossa vida tem de ser aquela onde nos encontramos.

(…)

O desafio maior que temos nas nossas vidas talvez não seja só sermos felizes, será também estarmos na melhor fase das nossas vidas, precisamente no momento em que nos encontramos com tudo o que isso traz. Sejam encontros ou desencontros. Este ponto de vista pode parecer pouco lógico, pois o ser humano não quer sofrer, mas na realidade, o passado não existe e o futuro ainda não se fez. Ambos residem dentro de nós e tanto podem ter um poder abissal e descontrolado como podem ser uma ferramenta útil.

A grande aprendizagem (e dificuldade) é estar presente no momento em que nos situamos, conectados, aceitando o que surge. Essa aprendizagem é a vida! E é algo para manter durante todo o tempo que temos.

Também quando estamos perdidos dentro das nossas confusões, less is more (menos é mais). Menos é mais porque, por vezes, o silêncio e o “não fazer” trazem‑nos mais frutos. E mais frutos é muito bom, nada menos, ou less. Less is more porque não atiça a fogueira do incêndio interno que, por vezes, nos consome. É como baixar o volume da nossa confusão interna. Less é a água que vem abrandar as labaredas e resfriar a temperatura. Mas Less is more but not good (menos é mais, mas não é bom), quando nos agarramos a isso para não fazer nada, não dar passos em frente e ficar na bolha (que é como quem diz, ficar no conforto de não fazer nada).

Como diz Larry Dossey, “não devemos romantizar o que é simples”, e nem sempre é fácil encontrar um meio‑termo ou um acordo entre aquilo que pode ser percecionado como simples. Como em tudo, é necessário encontrar um equilíbrio e entender de forma consciente quando é que é necessário parar e quando é que é necessário agir. É como encontrar uma saída mais simples no meio de tanto caos, interno e externo. E isso é, por vezes, o mais desafiante. De qualquer forma, saber encontrar este equilíbrio é a chave para outros equilíbrios da vida. E é através da experiência que conseguimos encontrar a sabedoria de o fazer da forma certa, no momento certo.

Faz este pequeno exercício:

  1. Quais os temas mais complicados na minha vida?
  2. Dentro desses temas, quais os que são da minha responsabilidade ou em quais posso agir?
  3. Em algum deles é possível não agir nem pensar nisso, nem que seja por um dia?

Em A vida não tem Mapa de Ana Caeiro

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Este ano não é para esquecer (versão 20.20)

No final de 2019 escrevi um texto com este título. Este ano não é para esquecer. Dizia que tinha sido um ano particular, para mim e para muitas pessoas que o tinham partilhado comigo. Longe estava eu de saber (embora sabendo) que a vida tem sempre o dom de nos surpreender. Sei que a vida é uma surpresa, mas este ano de 2020 saiu um belo embrulho. Decidi então reescrever este texto.

Podemos então voltar a dizer, como vi escrito há um ano, mas mudando os números: se não queres que 2020 termine, não o estás a viver corretamente.

Assisti a muitas crises emocionais de pessoas que não estão bem consigo próprias. Vi muitas relações terminarem, assim como problemas de saúde a despontarem. Acompanhei pessoas que perderam os seus empregos ou que se reinventaram. Vi pessoas a sentirem-se perdidas, desconhecidas de si próprias, sem rumo, ou simplesmente a quererem ser melhores, diferentes. Querem mudar de vida, alcançar o bem-estar. E a vida tem dado voltas e demonstrado que por vezes nem vale a pena fazer planos (e se isso tem sido verdade este ano!).

Vi dúvidas sobre o mundo, crispações, oposições, desinformações, medo. Sofri perdas. Morreram pessoas próximas. Animais de companhia que partiram. Vi pessoas a sofrerem essas perdas. Sistemas a reorganizarem-se. Tanta coisa que aconteceu, e parece que foi tudo num ápice.

Será um ano para lembrar?

Tem sido um ano duro, de grandes mudanças e ensinamentos. A vida a ensinar que o controlo é fictício. O que era já não é. Pensem em vocês nesta mesma altura no ano passado, o que mudou? E por vezes tudo isto vem com dor e dureza, os momentos de dificuldade acabam por ficar fixados e do sofrimento o Ser Humano quer fugir. Então, normalmente dizemos: este ano é para esquecer! Se é este o teu caso, vou trazer-te uma reflexão diferente, a possibilidade de fazer o contrário: este ano é para lembrar.

Tudo o que nos acontece pode ser uma aprendizagem, se quisermos e quando for possível. Costumam dizer que quando o aluno está pronto o mestre aparece. Poderá 2020 ser um grande mestre? Porque não olhar para tudo o que aconteceu este ano e perguntar: o que é que eu posso aprender com este ano que está a terminar? Claro que podemos (e devemos) refletir sobre qualquer ano que termina, mas agora em particular, que lições podes tirar? Para que sejas mais feliz, para que possas viver mais plenamente, fluindo saudavelmente na vida?

Não é para ampliar o sofrimento, obcecar ou cair na vitimização. É podermos incluir isso na nossa vida como parte integrante da nossa experiência, da nossa história e que nos vai ajudar para o futuro, para a pessoa que queremos ser, que queremos colocar no mundo e nas nossas relações. É também recordar o que aconteceu de bom, as conquistas que fizemos, as alegrias de despontaram.

Não sei o que o novo ano vai trazer. Não sei se vem aí paz, tranquilidade ou o “tudo de bom” que costumo desejar aos outros. Ninguém sabe.

Acabo o ano cansada, mas otimista. Não poderia ser de outra forma. Afinal, “nada se perde, tudo se transforma” (Lavoisier), e se somos natureza, também nos encontramos na nossa transformação.

Desejo-vos boas transformações!

Foto: Jared Berg em Unsplash

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A Vida não tem Mapa

Um livro é uma semente. E a semente por si só não se transformará em algo maior do que uma semente, mas tem muito potencial. Para vingar, ela requer água, atenção, terra, proteção, sol…

O livro por si só também não cria uma floresta de novas possíbilidades em nós. Não nos dá a casa decorada e pronta a habitar.

Precisamos de ter disponibilidade para receber essa informação, e essa será a nossa terra que recebe essa semente. Vai ser necessário ir para além da leitura, dar claridade à nossa temperança, regar os nossos sentimentos, pensamentos e ações, e por vezes cortar alguns ramos mais afoitos. Este tratamento especial que cada um dará a si próprio será único e é por isso que uma semente igual poderá crescer de forma diferente, consoante o ambiente onde se encontra.

Será sempre necessário estar atento, consciente e ativo neste caminho que é a vida. É necessário proteger a nossa sementeira, o pequeno rebento que vai brotando até à grande e sábia árvore, pois por vezes é preciso muito pouco para deitar um gigante ao chão. Será fundamental dar calor à nossa semente, mas não nos podemos esquecer de que também existem tempestades e que nem sempre tudo desagua num belo jardim de flores. Às vezes, acordamos num descampado e isso também pode ser normal ou ajudar a potenciar o nascimento de novos rebentos. Será que aguentaríamos a felicidade todos os dias? Como estar na vida com tudo aquilo que ela contém, de bom e de mau? É um desafio! E se, de facto, não conseguimos controlar ou mudar fatores externos, podemos mudar a forma como lidamos com o que acontece, e isto é um grande poder. Mas com um grande poder vem também uma enorme responsabilidade.

Esta é de facto uma das minhas maiores aprendizagens. Aquilo que já passou e que me trouxe sofrimento não pode ser mudado. A minha história, a tua história, é o que é, não pode ser mudada.

No entanto, apercebermo-nos de que temos o poder de olhar de outra forma para a nossa história é um enorme volte-face. É aqui que podemos chegar à possibilidade de agradecer tudo o que nos aconteceu, pois permitiu-nos chegar até aqui. Se não tivesse tido as experiências que tive, algumas tão dolorosas, certamente que hoje não estaria a escrever este livro e não seria psicoterapeuta.

Claro que deixo esta nota de rodapé: isto não valida o que de errado foi feito contigo e não desculpa quem te fez sofrer. Aquilo que faz é devolver-te o teu poder para que, ao invés de ficares preso e arredado a essa má experiência ou a uma pessoa que te fez mal, te possas libertar e recuperar o controlo sobre essa situação, internamente.

Através desta leitura, o meu objetivo é partilhar formas de simplificar gestos do dia a dia, potencializando-os e transformando-os em atos conscientes e passíveis de incutir a nossa própria mudança e evolução pessoal. Quando estamos nesse caminho, às vezes já nos doem os pés, sabemos que a meta está longe e que existem alguns dias em que a tempestade entra na estufa onde guardamos as sementes e as plantinhas. Será muitas vezes assim: construir, reconstruir e resistir aquando de um passo atrás. A evolução pessoal é cansativa, e creio que todos o podemos reconhecer nos nossos próprios processos. Muitas vezes pensamos que estamos sempre a revisitar os mesmos temas ou que nunca mais resolvemos determinada situação. Quantas vezes ouvi pessoas a defender que a ignorância é uma bênção e que os dias precedentes a este abrir de olhos para o mundo interno eram paradisíacos.

Mas como poderia ser melhor viver no total desconhecimento daquilo que nós somos? Sem saber para onde ir, sem ter um caminho para seguir? Sem saber sequer aonde queremos chegar?

A ignorância ou inconsciência sobre nós próprios faz perpetuar estados de infelicidade, insatisfação ou sentimentos de vazio e de falta de propósito.

Este livro pretende ser esse extra, essa ferramenta que, apoiada por muitas outras, pode ser um mapa que ajude no caminho.

É esse o conceito: vamos construir um mapa, navegando pelas ruas, edifícios, jardins, iluminação! Mas este será um mapa muito especial, pois será construído pelo leitor, com base na sua experiência e com as suas ferramentas. Muitas vezes encontramos becos sem saída porque usámos o mapa errado e aquilo que pensávamos que era intuição foi afinal uma decisão com base no medo ou impulso. Noutras situações, damos por nós a usar o mapa de outra pessoa: “se resultou para ela!”. Não quer dizer que resulte para ti… Aqui começa uma nova jornada, esse é o desafio que eu tenho para ti. Deitamos fora os croquis dos outros e construímos o nosso caminho. E no fim, apesar de lermos o mesmo livro, o mapa vai ser diferente para cada um, pois partimos da visão e experiência de cada um para o desenhar.

Ao longo dos vários temas, e antes mesmo de apresentar este projeto que vamos pôr em marcha, é necessária uma condição de base: consciência. A consciência tem vários significados, seja do ponto de vista neurológico ou moral. Neste caso, ou seja, num processo de desenvolvimento pessoal, estar consciente é conseguir estar a par de muita coisa: da nossa história e experiências (passado), daquilo que está a acontecer agora (presente), e das perspetivas saudáveis e realistas que temos para o futuro. Acresce a tudo isto ter a consciência daquilo que queremos trabalhar, isto é, tornar conscientes as nossas dificuldades, desafios, e gerar insights ou pontes sobre possíveis origens ou explicações.

Este processo é complexo e funciona a diferentes níveis. Podemos estar conscientes de algo que nos tocou, como por exemplo alguém que nos magoou, e tentamos perceber o porquê dessa mágoa e que impacto tem na nossa história. Ou pode acontecer o contrário, quando o mesmo evento se repete, mas com um familiar próximo, e o movimento é apenas o de ficarmos inundados pela emoção negativa. O importante é manter uma mente curiosa, que questiona e que quer saber mais.

Seja como for e simplificando: se queres trabalhar alguma coisa na tua vida, é preciso primeiro ter consciência de que existe algo para trabalhar! E por vezes a tomada de consciência não é imediata e existem também diferença que nos distinguem. Alguns de nós podemos nem estar cientes desta necessidade de consciência. Nestes casos, é quase como que uma inconsciência inconsciente. Não estamos, na realidade, conscientes do nosso processo, de onde nos situamos ou para onde queremos ir, em termos de evolução pessoal. Há uma completa desresponsabilização, ou seja, assumimos que nada é da nossa responsabilidade e não nos sentimos culpados por nada (falaremos sobre a desresponsabilização mais à frente). Estamos numa constante busca no exterior da responsabilidade por tudo o que ocorre na nossa vida. É como ter uma consciência contraída, onde aguardamos que alguém surja na nossa vida com uma varinha mágica que faça desaparecer os nossos problemas, ou seja, achamos que não somos donos e muito menos responsáveis pelo nosso futuro, assim como nos consideramos incapazes de mudar alguma coisa. Viver no aqui e agora parece impossível e permanecemos presos nos traumas do passado e nas expetativas sobre o futuro.

Num estádio intermédio, onde é possível contactar com uma maior perceção sobre nós próprios, acresce uma maior responsabilização sobre a nossa vida. Estamos numa consciência mais expandida. Ficamos gratos com o que nos acontece de bom e surpreendidos com as sincronias. Sentimo-nos mais atentos ao que se passa à nossa volta, estar no aqui e agora não é difícil e é cada vez mais um ponto assente, mas permanece a viagem temporal na nossa mente.

Com a maior capacidade de estarmos conscientes e com um maior autoconhecimento, aumenta o contacto direto com a essência: esta seria a consciência mais evoluída. Somos agradecidos por tudo o que nos acontece, seja bom ou mau, prevalecendo sempre um sorriso. Vivemos no aqui e no agora sem qualquer dificuldade.

O passado ficou para trás, resolvido e vivido, e o futuro não é uma preocupação. Vive‑se sem medos e com uma serenidade ativa.

No livro “A Vida não tem Mapa

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Vulnerabilidade vs fragilidade

Existem muitas crenças associadas à não demonstração de força. Não podemos chorar em público. Não podemos fraquejar. Temos de ganhar, nem que seja na semântica. Temos de ser fortes em todas as áreas. A sensibilidade perdeu espaço e se antes era usada quase de forma misógina (como forma de inculcar a aversão pelo género feminino), hoje ninguém a pode mostrar. Já nem as crianças escapam: “não sejas mariquinhas, não chores.”

Estou a dar o pior cenário e de uma forma generalista, sei que existem exceções à regra e ainda bem. É com as exceções à regra que criamos inovadores que criam um mundo melhor. Há de facto uma crença de que temos de nos fazer de fortes. Na minha ideia diria até que é algo evolucionista: temos de nos safar e sobreviver. Nada contra. O problema é que ao encapotar a nossa sensibilidade, tapamos também a possibilidade de expressar as nossas emoções. Deixamos de pedir ajuda e tendemos para a criação de duas faces: a que não mostramos a ninguém (e às vezes nem a nós), e a que sai para o mundo, toda engalanada. E isto parece-me ser muito solitário.

Às vezes o difícil é não fazer de forte. Por vezes o desafio é saber baixar a guarda, tirar a armadura, deixar de ser duro, mostrar que existe um outro lugar atrás dessa muralha. É algo que não queremos mostrar, que escondemos porque construímos uma ideia de que não podemos mostrar esse lugar secreto. É uma construção que nos vai acompanhando no nosso crescimento e se não temos um lugar onde podemos tirar esta armadura (em casa, com a família ou amigos, por exemplo), vamos viver com um conflito interno entre as tais duas faces.

Vamos então separar as águas. As palavras têm muita força e influenciam os nossos estados psicoemocionais. Por isso, e na minha perspetiva é importante delimitar conceitos. Por um lado, há a fragilidade, que remete para algo que é frágil, que precisa de cuidados, que não se consegue cuidar, que é efémero ou “quebradiço” na sua totalidade. Por outro há a vulnerabilidade que remete para a existência de uma parte menos forte de algo. Como por exemplo as vulnerabilidades de um castelo, que terá os seus pontos fracos, mas que ainda assim não o concretizam na sua totalidade, pois essa estrutura terá os seus pontos fortes e inquebráveis.

Façamos agora a passagem para os nossos estados internos. Se nos vemos como frágeis, não nos concebemos fortes, mas se pudermos entrar em contacto com os nossos lugares vulneráveis, permitimo-nos acolher essa dicotomia em nós. Porque nós somos fortes e também vulneráveis, pois somos seres sencientes, sensíveis e com desafios. Partir de uma imagem de vulnerabilidade permite-nos acolher esse lado, sabendo que existe um lado de força para nos ajudar. É permitir que as emoções aflorem, sem ter medo que elas nos “partam” ou fragilizem. É contactar com os nossos defeitos ou incapacidades sem sermos engolidos por eles. É ver como os nossos mecanismos de defesa às vezes nos fazem mal, sem entrar em guerra com eles, que tanto nos ajudaram (e ajudam).

E às vezes pode ser mesmo uma questão de reorganização interna (do mental ao corporal) para que, no nosso dicionário interno, possamos mudar as definições destes conceitos. E assim, em vez de fragilidade, podemos falar de vulnerabilidade, que acarreta o lado forte que há em nós. Não quebramos, mas sentimos, passando pela dor e aprendendo com ela ao invés de a evitar, fingindo que não existe.

Se isto é fácil? Claro que não. É todo um processo, e um processo demora tempo e tem um princípio, muitos meios e às vezes não tem fim. Nada como começar.

Foto de Annie Spratt em Unsplash

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Ansiedades

ansiedades

Todas as nossas emoções têm um objetivo e uma funcionalidade, elas são adaptativas. Se pensarmos na raiva, ela pode ser o motor que nos leva a fazer algo, que nos impele ao movimento. A tristeza permite a expressão de algo difícil e a sua mobilização para fora de nós, e a ansiedade e o medo também tem funções muito importantes.

Ao longo do tempo fomos afastando a ideia de que o ser humano é um animal e como tal, cortámos com a perceção daquilo que não é racional e renegamos o que é entendido como impulsos, intuições ou sensações primitivas. Mas somos animais e ter esta informação bem presente ajuda a compreender o nosso corpo.

Vamos imaginar uma gazela. Esta gazela está na savana a comer a sua ervinha de uma forma tranquila mas presente, ou seja, está alerta ao que a rodeia. O seu batimento cardíaco é normal e é o sistema para-simpático que está a trabalhar. Repentinamente surge uma ameaça, há um leão por perto. A gazela dispara, o batimento cardíaco sobe e é o sistema simpático que toma a dianteira, promovendo a reação de fuga. Quando a ameaça desaparece, assim desaparece o medo e a ansiedade, o batimento cardíaco diminui e a gazela volta calmamente ao seu pasto. Este é o movimento natural entre ficar ansioso e relaxar. O medo e ansiedade têm então esta funcionalidade: manter o alerta para potenciais ameaças e reagir perante elas.

Então qual a ligação para o homem? O grande problema do homem permanentemente ansioso é que não consegue parar de correr a fugir de um leão que só existe na sua cabeça. Há um botão que está sempre ou quase sempre ligado (consciente ou inconscientemente) e que o faz estar ansioso: com um batimento cardíaco mais acelerado, dores de barriga e, em casos mais graves, uma inabilidade tremenda em funcionar.

Como lidar com tudo isto? É importante tomar consciência do sintoma mas também da origem, até porque as crises de ansiedade ou ataques de pânico surgem quando estamos numa situação ou perante um estímulo que não aciona estes mecanismos (é diferente das fobias). É importante conhecer o nosso corpo e saber os primeiros sinais para encontrar ferramentas para lidar com os sintomas. No entanto é também importante procurar a origem destes sintomas em terapia. Vamos mergulhar?

Foto de Guillaume de Germain em Unsplash

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Navegar na tormenta

Imaginem tudo isto como uma enorme tormenta. O barco abana. Tudo mexe. A estrutura, se já estava débil, vai agora abanar ainda mais. As ondas são fortes, o vento uiva enraivecido, como se estivesse a ralhar connosco. Respiramos golfadas de ar enquanto ficamos ensopados na água que nos atinge. Como cuidar do convés que se está a desmontar? Ao mesmo tempo temos de tirar a água que está a entrar. Ajustar velas, pegar no leme, observar o tempo, perceber das marés. Tudo isto sem cair borda fora. É muita coisa. E nós estamos cansados. Por isso, quem tinha o barco mais ou menos apetrechado poderá navegar melhor esta tormenta. Não significa que esteja imune, afinal há mais marés que marinheiros… Mas quem já vinha com o barco cansado, desarrumado por dentro, vai encontrar na tormenta uma luta desequilibrada.

A coleção de várias tormentas, que vamos ultrapassando em vida, permite-nos ganhar calo. Ou então não e em alguns casos pode levar o barco maltratado para novas batalhas, ainda sem se ter reposto das anteriores. Somos todos diferentesm pois navegamos sempre águas diferentes, com barcos diferentes, em tempos diferentes. Poderão dizer: “um bom mar nunca fez bons marinheiros.” Tudo certo. Exceto que num barco, de médio a grande até ao muito grande, temos muita gente a “marinhar” em equipa.

Já viram aqueles vídeos de barcos que quase voam em cima das ondas, com uma série de marinheiros, todos numa coreografia detalhada, com o seu próprio movimento e importância? Um deles muda a vela, outro puxa uma corda e os restantes fazem uma série de coisas impercetíveis aos olhos de quem não entende aquela dança. Mas que é bonita, é.

A imagem que tenho premente, talvez trazida pela frase repetida de estarmos no mesmo barco (é poético, mas não estamos), é que podemos e devemos pedir ajuda. Não temos de estar numa velha canoa. Podemos nos colocar numa nau e navegar juntos. Não faz mal pedir ajuda. Desde a família, os amigos, à ajuda de profissionais, fazendo psicoterapia por exemplo. Não temos de estar sozinhos. Muito se tem falado em isolamento, mas que seja físico e não social. Que não seja um isolamento de afetos e nem de ajuda.

Foto de Haut Risque em Unsplash

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Dores de Crescimento

A comunidade médica ainda tem dúvidas sobre as dores de crescimento. Alguns falam da sua existência e dominância nos membros inferiores, mas outros referem que essa sintomatologia pode não ter a ver com o crescimento. Mas o que vos trago hoje aqui não são as dores físicas de crescimento, pelo menos não essas que vivemos até à adolescência. Por mais incrível que pareça, estas dores não estão só associadas ao crescimento físico e não cessam no fim da adolescência. Porque não falar em dores de crescimento psicológico ou emocional? Apesar de já estarmos biologicamente desenvolvidos em adultos (fun fact: o cérebro só está completamente desenvolvido por volta dos 25 anos), passamos muitas vezes por dores de crescimento.

E que dores são estas?

O crescimento tem dor associada. Não é fácil assistir a ruturas, viver cisões e decidir por novas identidades ou caminhos. Há um enorme desafio em lidar e em expressar todas as emoções que sentimos (e às vezes vêm aos pares!). Aprender a lidar com a vida adulta é um processo de etapas, sendo que por vezes bailamos entre elas, e noutras fazemos umas voltas em trapézio e sem rede.

E não é só quando acontecem as “coisas más”. Como aprendemos a viver o que é bom? Sabemos saboreá-lo, ou será que desvanece como a areia nas nossas mãos abertas? É aquele fino e complexo equilíbrio entre o aprender a ser e viver, em contacto com tudo o que nos rodeia e nos afeta. E mais, aprender a ser adulto é para a vida. Desengane-se quem acha que chegar à vida adulta é sê-lo. É preciso vivê-lo. É preciso aprender a ir crescendo, pois crescemos até ao fim, vivendo como uma peça inacabada. É nesse inacabado que reside a vida. E não é numa perspetiva de procura da perfeição ou de viver na imperfeição. É continuar no caminho da nossa construção pessoal. E isto envolve muita coisa boa, mas também a aprendizagem de lidar com o menos bom. Não há um sem o outro, não há luz sem sombra.

Quem somos nós no meio da dificuldade? E com esse conhecimento, quem queremos ser daqui para a frente? O mundo está a pedir isso agora. São períodos estranhos e conturbados. Uns lidam melhor que outros. Uns lidam bem num dia, mal no outro. Alguns preferem a solidão em vez da casa cheia, outros preferiam ir lá fora livremente. Somos todos diferentes e importa encarar tudo isto sem julgamento. Os ânimos às vezes agitam-se e nem sempre se tornam bons conselheiros. Então, faz a tua parte. Cuida de ti, na medida do possível e na medida daquilo que é viável e realista. Cuida de quem consegues e queres alcançar (desde que esse “quem” queira ser ajudado). Não precisas de encontrar curas, salvar alguém ou entrar num estado de iluminação. Baixa as expetativas. Faz o que podes. E isso pode ser diferente de dia para dia. Hoje pode não ser possível muita coisa, então respira. Amanhã tentamos novamente.

Foto de  Simon Hesthaven  em Unsplash

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Entre o isolamento e o medo

Estamos a viver um momento muito particular no qual muito se tem falado sobre medo e a necessidade de nos isolarmos socialmente. Tanto um como outro são carregados de significados e de desafios. Somos seres sociais e o isolamento pode ser um desafio enorme na saúde psicoemocional e física. Fechados entre quatro paredes, podemos facilmente perder o ânimo e a energia. Desta forma é importante olhar para este tema de uma forma terapêutica e fomentar que é possível fazer algo que limite esta sensação.

O medo e a ansiedade são filhos destes cenários e para quem já tem um historial de ansiedade na sua vida, não é fácil. Também a psicoterapia pode ajudar não só quem já tinha uma predisposição para a ansiedade como também quem está a sentir maiores dificuldades neste momento. Têm sido escritas muitas notícias, conselhos, mezinhas, ideias… E quando a informação é demais, também traz ansiedade. Por isso compilei algumas ideias simples para levarem convosco para estes dias e para estes dois temas.

Ansiedade:

– Regulem o acesso à informação. É importante mantermo-nos informados, mas escolham meios de comunicação fidedignos, com “fact-check” e privilegiem sempre a consulta dos sites da DGS e da OMS. Demasiada informação e factos contraditórios fazem espalhar o medo, por isso, para além de regularem a vossa informação, pensem também no efeito que tem nos outros e antes de partilharem algo nas redes sociais confirmem a sua veracidade. Se têm dúvidas, não partilhem.

– Num cenário de desafio considerem a consulta de um psicoterapeuta. O psicoterapeuta é um profissional que pode ajudar a criar estratégias para gerir a ansiedade. Caso não se queiram deslocar é possível efetuar consultas online.

– A meditação e uma respiração calma e consciente são ferramentas que ajudam a atenuar a ansiedade. Hoje em dia existem muitas meditações online, guiadas, com imagens ou música. Basta escolherem a que vos faz mais sentido.

Isolamento social:

– Mesmo estando em casa, sozinhos ou em família, é importante manter alguma rotina, nomeadamente na higiene, sono e vestuário. Sim, estão em casa, mas é importante levantar e vestir, dando a indicação ao corpo de que é outro dia.

– Também é importante que se movimentem pela casa, na medida do possível. O sedentarismo é inimigo da saúde física, mas também da saúde psicoemocional.

– Mantenham o contacto. Pode não ser possível combinar aquele almoço de família, mas façam videochamadas, liguem para pessoas com quem não falam há algum tempo, escrevam um e-mail a alguém. Hoje em dia, com as novas tecnologias é possível estar em contacto e isso é fundamental. Procurem manter o contacto com quem precisa e está sozinho. Lembrem-se que podem ter a casa cheia, mas pode haver um amigo ou familiar que esteja sozinho.

– É importante respirar um pouco do ar da rua e quem tem um jardim tem essa parte facilitada. Para quem tem um apartamento, usem a varanda ou abram uma janela. Mesmo que seja na cidade e não seja um ar “puro”, respirar esse ar fresco vai ajudar o corpo a combater a ideia de fechamento.

– Ler, ler, ler! Um livro é uma companhia. Aproveitem para diminuir aquela pilha de livros que querem ler desde a adolescência e que tem vindo a aumentar. Escolham livros de acordo com o vosso sentir. Se estão a tentar gerir muita coisa, será melhor optar por um livro leve.

– Para quem tem crianças o desafio eleva-se. Mas existem muitas ideias online de como entreter as crianças dentro de casa. Façam essa pesquisa, existem muitas brincadeiras que podem inventar dentro de casa.

– Tal como com a leitura procurem algo que vá para além da simples ocupação do tempo e que seja construtivo: procurem cursos online, pintem livros de colorir (podem imprimir), aprendam crochet através de vídeos online… Existem inúmeras possibilidades e podem sempre pedir ideias a alguém, procurar na internet ou dar ideias a quem precise.

Também isto passará, mantenham-se unidos e cuidem da vossa higiene mental e emocional!

Foto de Benoît Mouilla em Unsplash