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Uma experiência ayurvédica

No início deste ano, servi de cobaia. Calma, não andei a experimentar drogas estranhas nem curas milagrosas. Fui cobaia de uma aluna finalista do curso de Ayurveda. Tudo começou com um teste de diagnóstico, com cerca de 50 perguntas, que vão desde os nossos hábitos de sono e características físicas, até à nossa cor preferida. É um método de diagnóstico totalmente diferente daquilo a que estamos habituados na medicina ocidental. Confesso que inicialmente estava cética, sem perceber muito bem o que é que o formato do meu nariz ou o tamanho das minhas sobrancelhas pode dizer acerca da minha saúde. Na realidade, não é tão simples como isso. Mas vamos por partes: afinal, o que é o Ayurveda?

O Ayurveda, também conhecido como a Ciência da Vida, é o sistema ancestral de medicina indiana. Segundo este sistema, todos temos uma natureza ou constituição básica, chamada prakruti, que determina uma série de fatores: desde o nosso tipo de corpo, à cor de cabelo, aos nossos hábitos, problemas de saúde, preferências pessoais, etc.

Este prakruti divide-se em três tipos de energia, ou doshas. São eles Vata, Kapha e Pitta. Ora, uma pessoa que tenha características maioritariamente Kapha terá não só um tipo diferente de constituição de uma pessoa Vata ou Pitta, como terá até passatempos diferentes, pois terá tendência para se sentir atraída por atividades diferentes, visto não ser tão enérgica como as outras duas.

Além disso, pode haver ainda desequilíbrios nos doshas, o que significa que uma pessoa Pitta pode estar em determinado momento com um elevado nível de energia Kapha e, como tal, sentir-se mais letárgica (ou uma pessoa Kapha estar com um excesso de energia Vata e, por causa disso, não conseguir dormir). Segundo o Ayurveda, são estes desequilíbrios que levam às doenças e a problemas de saúde.

A função do Ayurveda consiste então em elaborar um diagnóstico altamente personalizado para cada pessoa, através da observação do paciente e de um questionário detalhado, com perguntas bastante pessoais e minuciosas. Depois é determinado um ou vários tratamentos adequados, que vão desde massagens a mudanças na alimentação, alterações de hábitos, aromoterapia, entre outros.

No meu caso, sendo que estava apenas a ajudar uma aluna a terminar o curso (e a saciar a minha própria curiosidade), fiz apenas um tratamento de uma semana, com algumas recomendações para mais tarde continuar em casa. Tive a sorte de o meu tratamento consistir de três massagens com óleos: duas à cabeça e uma de corpo inteiro.

A massagem indiana à cabeça, ou Shiro Abhyanga, foi provavelmente uma das experiências mais relaxantes que alguma vez tive. Entrei, com algum receio, para uma sala com luz suave, uma cadeira e mantas. Ao lado, uma vela mantinha o óleo quente, e uma flor de lótus compunha o cenário. Sentei-me na cadeira, tapei-me com a manta e, pouco depois, a terapeuta começou a massajar-me e humedecer-me a cabeça com pedacinhos de algodão embebidos em lavanda e óleo de sésamo quente. Depois de o couro cabeludo estar bem humedecido, o resto da massagem foi feito com as duas mãos em simultâneo, abrangendo cabeça, rosto, pescoço e ombros, durante quase uma hora. O aroma do óleo era inebriante e, a dada altura, devo ter adormecido ou sonhado acordada, pois fechei os olhos e cheguei a esquecer-me de onde estava.

Na massagem de corpo inteiro, ou Massagem Ayurvédica Completa (Abhyanga), foram usados outros óleos, e os movimentos foram rápidos e vigorosos. Esta durou mais de uma hora e, no fim, sentia-me tão revitalizada que o meu corpo parecia não ter peso.

O que retirei desta experiência? Acima de tudo, uma aprendizagem e um alargar de horizontes. Não digo que vá recorrer sempre a este sistema ou alterar totalmente os meus hábitos, pois as minhas origens estão bem enraizadas e confio bastante na ciência e medicina ocidentais, mas acima de tudo aprendi que estas não são as únicas formas de tratamento e diagnóstico que funcionam, que há alternativas por aí que vale a pena explorar, sempre com bom senso.

Já agora, a minha principal queixa era o sono agitado e, verdade seja dita, durante toda aquela semana, esta cobaia dormiu como um anjo!

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O que o Ioga nos ensina: o controlo (ou a falta dele)

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09Costuma dizer-se que não podemos controlar as coisas que nos acontecem; apenas o modo como lhes reagimos. É verdade, mas também podemos controlar o modo como agimos antes de elas acontecerem. Podemos poupar para estar preparados para uma emergência financeira; podemos cuidar da nossa saúde para evitar doenças; podemos ter um plano geral delineado para a nossa vida. Será que tudo isso evita que passemos pela adversidade? Claro que não.

Uma pessoa poupada pode de repente contrair uma dívida gigantesca, uma pessoa saudável pode sofrer de uma doença grave, e os planos… valem o que valem. Mas e se essas pessoas não estivessem preparadas para o infortúnio, sequer? Se eu nunca tivesse poupado, como iria começar a pagar a dívida? Se me aparecesse um cancro e eu já fosse uma pessoa com a saúde debilitada, como iria combatê-lo? Se eu não tentasse sequer planear a minha vida, como conseguiria ter um rumo?

O ioga diz-nos que é o nosso ego quem nos dá a ilusão de controlo sobre o mundo exterior; que na realidade, esse controlo nunca existiu.

Mas também nos incentiva a dar o nosso melhor e a responsabilizarmo-nos pelas nossas atitudes, a criar objetivos e trabalhar para os conseguir. Aquilo que fazemos nas aulas, nomeadamente as posturas, é algo que nos ensina muito mais do que uma forma de alongar ou torcer o corpo. Quem já praticou asanas, sabe que é preciso passar por uma fase de preparação, ou aquecimento, em que vamos dialogando com o corpo e relaxando-o para que ele esteja preparado quando chegar a altura de fazer algo mais complexo.

Depois, quando estamos na postura propriamente dita, fora da nossa zona de conforto, muitas vezes até com dores e a pensar que não temos força para aguentar nem mais um segundo naquela posição tão estranha, o nosso corpo agradece-nos por nos termos preparado antes. E nós descobrimos que se conversarmos com ele mais um pouco, até conseguimos aguentar mais um bocadinho. E mais um bocadinho. E mais um bocadinho. E descobrimos uma força que nem sabíamos que tínhamos. Ou não, talvez naquele dia não conseguíssemos fazer aquela postura, de todo, e tivéssemos de parar. E também não haveria problema. No entanto, o que aconteceria se não nos tivéssemos preparado, sequer? Muito provavelmente, lesionávamo-nos. Independentemente do resultado final, o importante é que não nos magoamos e aprendemos algo novo sobre o nosso corpo, porque nos preparamos. Está a ver onde quero chegar?

Numa aula de ioga, descobrimos muitas vezes que não somos tão fracos como pensamos; que a nossa resistência à dor é muito maior do que esperávamos e, idealmente, trazemos isso para o resto da nossa vida e usamos essa preparação e resistência para lidar melhor com as adversidades.

Não podemos viver com medo, mas também não podemos nem devemos viver com desleixo. Cruzar os braços e lamentarmo-nos de que nada nos corre bem ou que nunca conseguimos o que queremos porque temos azar ou porque o mundo está contra nós é apenas uma forma de fugirmos à nossa própria responsabilidade. Devemos a nós próprios esforçar-nos, lutar e preparar-nos… para o que der e vier.

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Tanto sacrifício… Para quê?

férias

Hoje em dia tornou-se normal vivermos para o trabalho. Trabalhamos mais de oito horas por dia, muitas vezes seis dias por semana. Há pais que mal veem os filhos, casais que vivem juntos e mal se conhecem. Trabalham sem parar, sempre a pensar nas desejadas férias que tanto demoram e depois passam tão depressa. Juntam dinheiro para fugir da rotina por quinze dias, enquanto passam todos os outros dias do ano absolutamente infelizes. Para quê?

A maioria de nós não sabe viver no presente. Estamos sempre à espera das próximas férias, do próximo Natal, da próxima escapadinha. Sempre à espera de momentos efémeros que nos escapam por entre os dedos e, mesmo enquanto estamos a vivê-los, já estamos a pensar no que vamos fazer a seguir, por isso nem esses momentos aproveitamos verdadeiramente.

Isto parece-lhe razoável? Provavelmente não, mas então porque é que insistimos em viver assim? Estamos condicionados por uma sociedade que nos ensina a nunca estarmos satisfeitos com o que temos, que nos promete que seremos mais felizes quando formos para um hotel de cinco estrelas, quando tivermos um carro novo, quando formos promovidos no emprego. Quando, quando, quando? Um dia, quem sabe!

Pare. Pense.

Não seria bom sentir-se todos os dias como se estivesse de férias? Eu sei, todos temos de trabalhar, mas se o seu emprego lhe torna os dias assim tão cinzentos que passa o dia a suspirar pelo sol das férias perfeitas que nunca chegam, não acha que está na hora de mudar? E se não puder mudar de emprego? Também não é desculpa: mude a rotina. Arranje uns minutos para si todos os dias, uns minutos apenas para se sentir bem. Comece um novo passatempo, leia um capítulo de um livro, dê uma caminhada, veja um episódio da sua série preferida, converse com aqueles de quem mais gosta. Não importa o que faz, mas enquanto estiver a fazê-lo, tente não pensar em mais nada. Desfrute apenas do presente e sinta-se bem agora.

Ficar à espera das próximas férias? Para quê?
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O ioga e o Ocidente: como escolher o estilo certo para si?

ioga

O Ocidente apaixonou-se pelo ioga. Vá, pelas posturas de ioga. Sabia que essa é apenas uma fração de todo o sistema, que engloba filosofia, alimentação, respiração, higiene, relacionamentos, entre muitas outras áreas da nossa vida?

A maioria de nós, ocidentais, conhece apenas aquilo que vê nos ginásios e estúdios de ioga: pessoas em poses estranhas, com roupas muito largas ou muito justas, em aulas que terminam com toda a gente aparentemente a dormir. O ioga é muito mais do que isso, mas neste artigo vou falar-lhe apenas das aulas, porque até aí há uma grande variedade.

Atualmente, há dezenas — atrevo-me a dizer centenas — de escolas de ioga por todo o país. Em que diferem? Na linha de ioga que seguem e no próprio professor. Experimente fazer uma aula com três professores diferentes e terá garantidamente três aulas diferentes. Então, como escolher? Normalmente, as escolas oferecem uma aula gratuita para que possa experimentar. O meu conselho: experimente várias escolas. Veja qual a aula em que se sente mais confortável. Quanto ao professor ou professora, além de ser importante saber a sua formação, é importante ver como ele se comporta numa aula. Dá orientações claras? Explica os benefícios e os riscos de cada postura? Corrige as posturas dos alunos para que não se magoem? Incentiva-os, ou pelo contrário, critica-os? E acima de tudo, tem respeito pelo corpo dos alunos?

Lembre-se, não somos todos iguais e nem todos vamos conseguir fazer esta ou aquela postura à primeira (e às vezes nem à vigésima ou centésima tentativa), e o professor tem de ter isso em conta e nunca obrigar o aluno a fazer algo para o qual não está preparado. Caso contrário, uma aula que devia ajudá-lo a relaxar e conhecer melhor o seu corpo pode resultar em lesões graves e duradouras.

Não se precipite e defina o seu objetivo: quer simplesmente descontrair? Quer começar uma prática física e espiritual? Quer ganhar força e flexibilidade? Quer avançar nas posturas e ver até onde pode levar o seu corpo? Pode conseguir tudo isto com o mesmo professor; o importante é que seja feito em segurança. Atualmente, há diversos estilos de ioga físico, todos derivados do clássico Hatha Ioga. Não vou aqui dissertar sobre todos eles, até porque pratiquei apenas o estilo clássico, mas posso dizer-lhe que há outros estilos mais recentes, como Ashtanga, Kundalini, Vinyasa, Yin Ioga, entre outros, que diferem entre si conforme a intensidade e o tempo das posturas. Como escolher o ideal para si? Experimente!

O ioga é uma experiência pessoal, não é uma moda. E por falar em modas, posso dizer-lhe que por todo o Ocidente há também quem ande a praticar ioga com cabras, varinhas do Harry Potter e até com um copo de cerveja na mão ou enquanto come nuggets de frango.

Estas variantes estão sem dúvida a anos-luz do ioga original e dos seus ensinamentos e há até quem argumente que não são ioga, de todo. Mas quem sou eu para lhe dizer que não as pratique?

Seja fiel ao que o seu corpo e a sua alma lhe pedem. Experimente, sinta, viva e… respire.

Namaste!

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O regresso ao tapete

tapete

Sempre que volto ao tapete de ioga, há um misto de familiaridade e entusiasmo por algo novo. A verdade é que nunca sabemos que sensações a prática nos vai trazer. É um reencontro com nós próprios, uma reunião onde não só voltamos a encontrar o nosso ser mais profundo, mas também descobrimos tudo o que mudou. Um músculo mais tenso, uma dor que não sabíamos que ali estava, ou até uma flexibilidade e força que finalmente se começam a instalar mais profundamente do que imaginávamos. Mas mais do que as sensações físicas, há todo um conjunto de emoções que só pode ser vivido por quem pratica.

Comecei a praticar ioga aos dezanove anos. Tenho agora trinta e quatro. Entre vários professores e escolas e, muitas vezes, na prática solitária em casa, fui descobrindo que o nosso corpo, o nosso espírito, todo o nosso ser, não são iguais todos os dias. Bastam 24 horas de intervalo entre a prática para notar a transformação. Se hoje estou mais nervosa e menos flexível, amanhã talvez esteja relaxada e consiga fazer as posturas com toda a facilidade. Se um dia estou mais frustrada, no outro sinto aquela alegria interior que nenhum acontecimento externo me poderia trazer.

Então e quando se passam vários meses ou anos sem voltar ao tapete? Aí, as coisas tornam-se mais complicadas. Em 2013, fui uma de muitos jovens que se viram forçados a emigrar. Mas ao contrário de muitos, que se sentiram mais realizados lá fora, eu senti-me perdida, arrancada de tudo o que me era familiar. E ao fim de algum tempo, senti que eu já não era eu. Foi nesse dia que decidi voltar ao tapete, ao fim de mais de um ano de paragem. E aí notei todas as diferenças: toda a tensão que se tinha
acumulado, todas as dores que se tinham tornado mais intensas, a força que já não era a mesma, o corpo que já não parecia o meu. E o espírito? Era como se nem lá estivesse. Toda a alegria que sempre senti na minha prática tinha desaparecido. Conseguia descontrair ligeiramente, mas era mais pelo cansaço do que propriamente por voltar a encontrar aquela paz de espírito há muito perdida. Pensei até que já nem gostava de ioga como dantes, ou que já não era capaz de me sentir em harmonia. Porque eu já não era eu.

Mesmo assim, não deixava de praticar sempre que me sentia mais tensa. A minha sanidade mental dependia disso. Até ao dia em que finalmente voltei para casa. A minha casa: o Porto. Mas aqui não havia tempo para voltar ao tapete, havia amigos e família para reencontrar, uma cidade para redescobrir (e como ela se transformou nos últimos anos!), uma vida para recomeçar. Passaram-se meses, mas aos poucos, acabei por voltar à minha prática. Desta vez, não por me sentir vazia ou em busca de algo, mas por estar feliz e pronta para me reencontrar. E emocionei-me quando percebi que afinal eu não tinha desaparecido, estava apenas diferente. Diferente, amadurecida, mas feliz como outrora e com um renovado entusiasmo pela prática e tudo o que ela implica.

Atrevo-me a dizer que o tapete de ioga é um barómetro da felicidade. Ou no mínimo, do nosso estado de espírito e do estado físico do nosso corpo. Já desenrolou o seu hoje?