«Porra, isto não pode continuar. Gritou o ancião a fulminar o resto da família ao mesmo tempo que esbracejava e colérico se levantava do cadeirão frente à TV. Estava pior que uma barata. Resvalava até para a má educação, coisa que jamais permitira a ninguém muito menos a si próprio.
Então o meu neto anda de calças a caírem pelas pernas a baixo, a verem-se-lhe as cuecas, de barba crescida e de boné ao lado, como um marginal, um delinquente? Mas o que é isto? Ao que chegamos?
Olhavam-no com a dose de respeito que o chefe da família merece e ao mesmo tempo com um silencio que manifestava inteiro acordo. É uma ver-go-nha – e todos fizeram sim com a cabeça. A verdade é que ninguém aprovava a caricatura que o rapaz transportava consigo, para onde quer que fosse; para a escola, para a praia ou até num passeio de família. Amanhã vou mete-lo na ordem. Haja disciplina e respeito…
O rapaz passaria lá por casa para levar uns acessórios acústicos que o avô lhe dispensara. O patriarca esperava-o com uma crescente irritação, como se esperasse uma reunião com um credor desonesto ou um herege provocador, a merecer vergastadas ou mesmo fuzilamento. Aqui franziu a testa e reconheceu que não chegaria a esse ponto mas, sim, que a lição ficaria na memória do atrevido adolescente. O encontro teria que merecer toda a respeitabilidade inerente ao diálogo entre o mais velho e o mais novo de uma família que se preza, que, por tradição e cultura, preserva a hierarquia e o saber possível. Para tanto proibiu a presença de mais alguém no espaço reservado ao duelo.
Ei-lo que chega; como sempre, desengonçado num disfarce inqualificável, chancela de mau gosto, de desmazelo, de desafio aos mais velhos, à educação implantada e até (perdoem-me) até à civilização ocidental. Assim pensava enquanto com poucas palavras fê-lo sentar-se à sua frente, não num sofá, mas numa cadeira de madeira a uma mesa preta de jogo quadrada que nada tinha no tampo de napa castanha. Guardou um silêncio com toda a certeza de despertar uma reflexão que seria ao mesmo tempo uma forma de estabilização emocional para ambos. Olharam-se nos olhos fixamente, ao mesmo nível, numa expressão fria e desafiadora como dois lutadores de luta livre a centímetros antes do início da peleja. O avô quebrou o silêncio na sua voz grave e solene:
Aqui estamos frente a frente. – Respirou fundo a sublinhar a expectativa – De homem para homem, quero dizer-te que não gosto da maneira como te vestes. Parou para que o eco entrasse na alma do antagonista. Media as palavras antes de o torcer como a mulher a dias torce o esfregão da limpeza. Ia continuar. O jovem, numa expressão angelical, sem revelar temor, preocupação ou aborrecimento levantou delicadamente um dedo. Fala – autorizou o avô.
Pergunto-lhe só de homem para homem… – fez uma pausa abrindo ligeiramente os olhos escuros, perspicazes e inteligentes – … e o avô já me perguntou se gosto da sua maneira de vestir?
O pobre homem esperava tudo menos aquela resposta seca, como soco sem defesa nos queixos do adversário que rodearia sobre os calcanhares e tombaria no solo se aqui não se tratasse apenas de um diálogo. Titubeou ainda quase K.O. – Tens razão pá. E mais não disse. Não tinha para dizer.
Levantou-se com solenidade. O rapaz fez o mesmo. Ambos respiravam fundo. Sorriram ambos e num gesto jovem o velho levantou o braço com a mão aberta que embateu na que o rapaz com o mesmo jeito lhe oferecia.»
Luís Pereira de Sousa

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