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E se a meditação fosse a sua própria vida?

Quando as pessoas meditam, fazem-no frequentemente com a ideia de que estão a tentar chegar a algum lado. Meditação orientada para uma meta é um oximoro se é que já ouvi algum!

Sentamo-nos nas nossas almofadas na posição de lótus, cerrando os olhos com força, zelosamente contando respirações ou recitando o nosso próprio mantra, tentando com toda a força fazer alguma coisa acontecer. Ou dizemo-nos que nem pensar em meditar — que falharíamos miseravelmente ao fazê-lo, pois somos demasiado tipo A e de todo capazes de nos sentar sossegados ou aquietar a mente por mais de trinta segundos.

Mas, e se a vida fosse uma meditação viva? Que tal seria estar num estado de meditação durante cada momento de vigília?

Esqueça isso de ter um ponto focal, um mantra, uma maneira especial de se sentar. Esqueça visualizações, ou contagens, ou qualquer tipo de ponto de entrada especial. Pense na respiração — entra e sai, preste-lhe ou não atenção. Pense no sofá debaixo de si, ou no solo sob os seus pés, ou nos sons no quarto, simplesmente como são. Todas estas coisas estão sempre à nossa volta, mas em vez disso convencemo-nos de que precisamos de algum complicado processo para nos fazermos chegar lá. Use o que tem no espaço em que está. Está numa cadeira de dentista? Fantástico. Ou no percurso habitual de comboio? Trabalhe com isso.

Mas quando se trata das histórias que contamos a nós mesmos, estar neste estado meditativo requer um pouco mais de trabalho.

Imagine diante de si uma tela branca. Olhe realmente para a tela branca. Harmonize-se com ela. E se esta tela branca — expandindo-se até à infinidade — for a sua verdadeira natureza? Se você for uma tela branca, então tudo é possível. No instante em que começamos a enchê-la com deves e não deves, com maneiras de fazer as coisas, com mantras e práticas, ela fica tão pejada que não há espaço para mais nada.

Tantos de nós temos a nossa «prática» — mas para o que praticamos nós? Em última análise o verdadeiro propósito da prática é levar-nos a lado nenhum. Mas estamos tão orientados para metas que precisamos de um destino — enquanto isso esquecendo-nos de que o que está em causa é a viagem.

Pronto, bem sei que disse nada de visualizações, mas tenha lá paciência comigo: imagine que a sua vida pode ser retratada numa tela. A própria vida é a tela. Quando olha para esta tela, vê tudo o que ali foi colocado. Que, na sua maior parte, não teve origem em si.

Alguém — os seus pais, muito provavelmente — lhe deu um nome, um lugar de nascimento, uma história. À medida que foi avançando vida fora, rótulos exteriores têm sido sobrepostos sobre a tela: talvez mãe, esposa, filho, filha. As pessoas têm-nos dito quem somos, e isto enche a tela também.

Agora comece a arrancar esses rótulos. Aprofundou o seu autoconhecimento. Conhece-se agora, e isso significa que pode desmantelar o que conhece. Força — arranque esses rótulos. Raspe essas limitações. Remova todas essas diferentes palavras que estão a meter-se no caminho de ser uma tela branca. Mesmo a noção de espiritualidade — cada conceito, cada ideia, cada papel a desempenhar, cada responsabilidade: raspe-os todos. Ao fazê-lo, experimente a liberdade (ou talvez o terror) da tela branca.

Porque a tela branca é a vida. Antes de nascermos, nada somos. Depois de morrermos, nada somos. Apenas cometemos o erro de acreditar na nossa própria permanência. Mas não precisamos morrer para nos desfazermos de tudo o que foi afixado na tela branca.

Podemos experienciar uma profunda alteração se fizermos isto estando ainda vivos. Isto, meus queridos amigos, é o que significa morrer para si próprio.

Iluminação tem a ver com destruir toda e cada falsa noção que tem a seu próprio respeito. Raspe as camadas, os véus, tudo o que tem considerado ser mais importante que nada.

Agora fique em branco.

Panache Desai em À Descoberta da sua Assinatura de Alma

Foto de Stephanie Greene em Unsplash

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Formação Despertar. Libertar. Crescer.

crescer
Formação Despertar. Libertar. Crescer.
Despertar. Libertar. Crescer. é para quem procura compreender as dinâmicas subjacentes aos processos de transformação e de crescimento emocional. Numa época de autenticidade e aceitação de quem somos este curso é um roteiro para a busca do nosso eu e o reencontro com o nosso SELF verdadeiro. Esta formação é para quem quer libertar-se do passado, simplificar o presente e abraçar o futuro. Um curso prático visando um percurso de autoconhecimento, transformação e crescimento.
 
A formação está dividida em 3 módulos. A participação no segundo ou terceiro módulo só é possível com a participação nos módulos anteriores:
MÓDULO DESPERTAR

‘Quem olha para fora ilude-se, quem olha para dentro desperta’ (C. Jung). Desviar o olhar do mundo exterior e dos outros como responsáveis pelo nosso mal-estar para focar o olhar no nosso mundo interno é o primeiro grande passo no processo de crescimento e mudança. Este módulo vai ampliar a consciência das dinâmicas pessoais, da sua origem e consequências nos nossos padrões de comportamento e nas nossas relações interpessoais.

  • fev: 07, 14, 21, 27
  • março: 14, 21
MÓDULO LIBERTAR

Como quebrar padrões que já não nos servem, mas sem os quais parece que não sabemos viver? Muitos deles têm origem no estilo de vinculação que aprendemos a estabelecer com os nossos cuidadores, a qual nem sempre é seguro e saudável. Ver a nossa realidade, aceitá-la para mudar para algo diferente é o propósito deste módulo: libertar o velho e identificar o novo.

  • março: 28
  • abril: 11, 18, 24
  • maio: 02, 09
MÓDULO CRESCER

Crescemos emocionalmente quando aceitamos o desafio da Jornada do Herói, com as etapas que dela fazem parte. Vamos buscar a obra de Joseph Campbell com os seus mitos e arquétipos para recriarmos a nossa história como seu herói protagonista. Ao longo do percurso vamos trabalhar recursos essenciais para o sucesso: cuidar de nós, proteger-nos e nutrir-nos de forma a sentir a felicidade da vida ao longo do caminho e não como uma meta inalcançável.

  • maio: 30
  • junho: 06, 13, 20, 27
  • julho: 04

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Horário: Das 19h às 21h30

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Valores:

Curso total: 390€

Por módulo: 150€

Early Bird até 31 de Janeiro: oferta do livro Despertar, Libertar, Crescer de Rossana Appolloni

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Local:

Cowork da Praia, em Carcavelos
 
Morada: 
Praça do Junqueiro, nº3, Loja B 2775-597 Carcavelos
Incrições:
geral@vidaself.com

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Inclui: Oferta de Certificado de Participação no final.

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Este curso nasce do trabalho da autora e de formações e workshops que tem vindo a realizar.

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Biografia da autora: 

Rossana Appolloni nasceu em 1976 em Lisboa. Após uma primeira formação académica em Cinema na ESTC de Lisboa, foi para Itália, onde conheceu a Psicossíntese, um modelo psicoterapêutico de natureza humanista-existencialista. Diplomou-se em Counselling pela Società Italiana di Psicosintesi Terapeutica de Florença. De regresso a Portugal frequenta os cursos de Psicoterapia Somática em Biossíntese, Somatic Experience e Bodynamic, e nos EUA (Esalen) e em Espanha a Hakomi Mindful Somatic Psychoterapy.

É licenciada em Linguística e Mestre em Psicolinguística pela Università Degli Studi di Perugia (Itália) e é ainda Mestre em Psicologia Clínica pela Universidade Lusófona de Lisboa.

Além de dar formação, dedica-se à prática da psicoterapia individual e de dinâmicas de grupo. Lecionou na Universidade de Perúgia e na Escola do Exército Italiano durante os 11 anos que viveu em Itália. Atualmente colabora com a Fundação Portuguesa para o Estudo, Prevenção e Tratamento das Dependências (A Barragem), com o Centro de Psicoterapia Somática em Biossíntese e tem o seu consultório para atendimento privado. Desde 2014 que publica o Podcast Ousar Ser e é autora dos livros Ousar ser feliz – dá trabalho mas compensa! (Vida Self Editora, 2014) e Do Sofrimento à Felicidade – Da Psicanálise à Psicologia Positiva (Vida Self Editora, 2015).

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Observar, sentir e ser em relação

relação

Uma vida com sentido só é possível quando somos capazes de escrever a nossa própria história, quando conseguimos dar primazia ao que pensamos e sentimos em vez de a dar ao outro, quando tomamos decisões coerentes com a nossa essência, quando reconhecemos e respeitamos a nossa natureza, quando valorizamos o nosso potencial e o tentamos manifestar no mundo, quando honramos as nossas necessidades e desejos, quando mergulhamos em relações que nos nutrem e reforçam todas as capacidades individuais. Manter a própria autonomia numa relação traduz-se em preservar a própria identidade, ao contrário de a perder no outro. E isso só é possível através de um autoconhecimento profundo.

Conhecer-se é ser capaz de identificar o que é nosso e o que é do outro, é ter a consciência do que pensamos e sentimos durante a interação com alguém. Se tivermos uma consciência muito presente do que somos, de onde estamos e do que queremos para a nossa vida, em lugar de nos afogarmos ao mergulhar no oceano das relações, sentimos o prazeroso contacto com a água e a transformação que se dá em nós através dessa experiência.

Os outros fazem parte da nossa existência. Seria terrível se o nosso falso desejo de estar numa ilha deserta, em paz, se concretizasse. Somos seres sociais por natureza, desde sempre. É com os amigos que potenciamos as nossas alegrias e atenuamos as nossas tristezas, é com eles que sentimos conforto, compreensão, cumplicidade, ligação, vínculo. É através dos outros que nos conhecemos, pois é com um gesto amável que nos comovemos e com um gesto de rejeição que nos sentimos magoados. Independentemente da sua intenção, o importante é o que nós sentimos e ganhar essa consciência é reconhecer os nossos medos e os nossos sonhos, é perceber do que gostamos, do que precisamos e do que não queremos. É também através dos outros que crescemos, pois com eles vamos sanando feridas e concretizando desejos, não é seguramente ficando fechado em casa na esperança que tudo à nossa volta mude.

A vida encontra sentido quando criamos vínculo nas relações. Vinculamos quando satisfazemos a necessidade básica universal do ser humano de pertença. Sentir que se faz parte é uma das sensações mais reconfortantes que podemos ter e é tão poderosa que não é por acaso que estrangeiros que vivem fora do seu país tendem a procurar pessoas da mesma nacionalidade: partilham valores e formas de estar na vida onde se reconhecem e sentem pertencer a algo que ultrapassa a personalidade individual. Procuramos suprir esta necessidade de pertença em vários tipos de grupo (desporto, passatempos, família, etc.), mas muitas vezes sentimo-nos insatisfeitos porque em vez pertencermos sentimo-nos apenas integrados, o que não é a mesma coisa.

‘Integrar’ significa adaptar-se para ser aceite, implica o esforço de entender o funcionamento dessa(s) pessoa(s) e moldar-se ao seu mecanismo. Pelo contrário, ‘pertencer’ implica mostrar-se, expor a nossa natureza, em ambas as vertentes: medos e desejos, inseguranças e necessidades. Implica ser autêntico, o que é paradoxalmente difícil, pois passa por reconhecer o que sentimos para depois exprimi-lo, correndo sempre o risco de não sermos compreendidos e aceites. Quando isso acontece a dor é imensa, mas quando o interlocutor está recetivo e nos aceita, a relação fortalece-se. Permitir que o outro aceda às nossas imperfeições é a única maneira de alimentar uma relação verdadeira e nutritiva.

É pelas imperfeições reveladas através da nossa vulnerabilidade que se cria um vínculo saudável. O vínculo é o que existe entre as pessoas quando se sentem vistas, ouvidas, reconhecidas, valorizadas e amadas. Expor uma ferida aberta pode ser traumático, mas quando sentimos que do outro lado há abertura e empatia, pode ser curativo. Sentir essa confiança é fundamental, pois as relações também precisam de tempo e de um terreno fértil para crescer.

No medo de perder o outro colocamos uma máscara, fazemo-nos fortes, a custo de trairmos a nossa autenticidade. No entanto, se mostrarmo-nos é arriscado por desconhecermos a resposta do outro, ainda mais arriscado é escondermo-nos, pois isso leva-nos à ansiedade, à depressão e à dependência. Se dermos valor e honrarmos a nossa existência, partimos para a exploração dos nossos recursos internos, abrimo-nos à experiência, vamos atrás do prazer em vez de simplesmente evitar a dor, comunicamos de forma aberta e honesta e vivemos relações que nos fazem crescer. Nestas, não há espaço para uma fusão onde os dois se perdem na ilusão de serem apenas um, mas sim um encontro onde cada um mantem a sua identidade e surge uma terceira constituída pelos dois: Nós.

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Já refletiu sobre o seu tema pessoal?

tema

Segundo Panache Desai, autor que tem dado que falar junto de celebridades como Deepak Chopra, Oprah, entre outras, o caminho para nos conhecermos e alcançarmos o bem estar passa por diariamente refletir sobre um dos temas chave que nos propõe. Temas como: tristeza, culpa, harmonia, transparência, gratidão ou mesmo medo e vergonha, levarão a que consigamos ter contato com a nossa verdadeira essência como seres humanos.

No seu livro À Descoberta da Sua Assinatura de Alma, Panache Desai convida-nos a reflectir sobre os temas/fatores que nos influenciam e condicionam no dia-a-dia. Cada dia do mês podemos refletir sobre um tema. O objectivo é descobrir o que somos, independentemente do que nos rodeia e dos desafios que vivemos actualmente. No final, encontramos a assinatura da nossa alma, a nossa essência. Aquilo que somos e nos faz feliz.

Saiba mais sobre o livro AQUI.

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A criança que grita

criança

O nosso Ser não se define de forma rigorosa e inflexível. A psique é como uma peça de teatro: temos o guião (a nossa história), o encenador (a consciência) e os personagens (as várias partes que em nós coexistem). Caracterizamo-nos por uma diversificação de identidades, as chamadas subpersonalidades, que ganham vida própria segundo a cena onde se encontram. Parecemos pessoas diferentes consoante o contexto e/ou os interlocutores e, no entanto, somos sempre os mesmos. Somos os mesmos, mas a nossa interação depende do que a outra pessoa ativa em nós. Há pessoas que nos ativam partes de que gostamos e, portanto, nos fazem sentir bem, há outras que nos ativam partes mais inseguras e nos criam desconforto. Das primeiras queremo-nos aproximar, das segundas tendemo-nos a afastar, mas na verdade as relações mais enriquecedoras são aquelas que ativam o variado leque que nos constitui. Uma relação que nos traz crescimento é aquela através da qual encontramos espaço e segurança para explorar, descobrir e viver quem somos na nossa plenitude.

O crescimento físico nem sempre se faz acompanhar por um correspondente crescimento psicológico. Não é a idade nem as experiências da vida que nos fazem amadurecer, mas sim o significado que damos ao mundo exterior e interior através dessas experiências. Há pessoas que já sofreram muito, mas ainda não encontraram um significado aos seus traumas, ainda não integraram a sua dor, ainda vivem na revolta e na zanga. Vão ficando cada vez mais fechadas na crença de que viver é sofrer. Olham para determinadas possibilidades como uma inevitável reabertura de feridas anteriores, rejeitando assim uma reprogramação do sistema neurológico.

Na rejeição à experiência há uma paragem no processo de crescimento. Este implica a abertura a novas vivências que nos alterem a perceção do mundo. Porém, se essas novas vivências reforçam a nossa velha perceção, significa que continuamos a boicotar e a travar o desenvolvimento psicológico. Algo nos impede de avançar: aquela parte de nós que ainda grita por atenção – a nossa criança interior.

As situações que mais nos fazem sofrer são aquelas que tocam numa parte do nosso Self que estagnou algures no tempo. O nosso Ser não cresce todo por igual, tornamo-nos adultos em certas partes, mas não noutras. Quando sentimos o chamado ‘aperto interior’, muito provavelmente é porque a nossa parte infantil foi espicaçada e, como tal, ainda não sabe lidar com o desafio de forma serena e madura. E então grita.

Uma cliente minha com filhos e sobrinhos já independentes, sentia que a sua família não lhe prestava a atenção de que ela gostaria. Considerava que agora que já ninguém precisava dela, não a contactavam com tanta frequência, pelo que a sensação de ‘só me ligam quando precisam’ começou a ganhar cada vez mais terreno. Mais tarde descobrimos que ela se recusava a ter iniciativas para procurar os seus familiares e assim satisfazer as suas necessidades de atenção e afeto pois, a partir da visão do seu Self Infantil ferido, eram os outros que deviam ter essa preocupação e cuidar dela.

Uma necessidade psicológica básica não satisfeita em criança cria-nos um vazio interior que nos leva a um mecanismo de busca constante desse preenchimento através dos outros. Projetamos nas nossas relações mais próximas o papel do cuidador que se ausentou e que nunca mais voltará. Enquanto não ganharmos essa consciência, a busca torna-se infindável e jamais encontrará descanso. Este registo traduz-se numa luta cujo desgaste psicológico é esgotante. Todos nós temos uma parte infantil ferida que grita, mas nem todos lhe dedicamos a atenção merecida.

Uma das minhas feridas tinha a ver com o terror de ser esquecida. Esta ferida criava-me tantas ansiedades que cada vez que fazia uma viagem enviava inúmeras mensagens a quem me esperava no aeroporto para ter a certeza de que a pessoa estava lá. Após um trabalho interior sobre esta dor apercebi-me de que a minha parte infantil magoada não só gritava perante a perceção do mínimo sinal de possibilidade de esquecimento, como cegava toda a dedicação dos outros para que eu me sentisse importante e inesquecível.

É incrível como acabamos por limitar a vivência das relações no reforço da que sempre tivemos. Estamos demasiado encouraçados para ver outras perspetivas, apenas vemos aquela que potencia os nossos medos e inseguranças, provocando consequentemente os habituais padrões de comportamento defensivos. Ao interagir a partir da parte infantil ferida que ainda não integrou a dor, as nossas ações refletem exatamente as de uma criança: grita, esperneia, é incapaz de ver ou ouvir o outro, não tolera a frustração, quer tudo à sua maneira, impõe as suas necessidades e sente o mundo contra si, pois este gira unicamente à sua volta.

Uma criança que precisa de atenção, perante uma plateia de 100 pessoas onde 99 lhe dão o que ela quer, fica perdida naquela única que não lhe liga nenhuma; uma criança que tem o medo do abandono perceciona cada movimento do outro como um risco; uma criança com o receio de ser humilhada evita ao máximo situações onde possa sentir tal ameaça; e por aí fora. Cada um de nós sente e perceciona o mundo hostil a partir das subpersonalidades cujo olhar ainda não se tornou adulto. Quando assim é, esse Self Infantil utiliza os mecanismos que aprendeu para se proteger e evitar que o seu grande medo (abandono, traição, humilhação, etc.) se concretize, não entendendo que ele próprio recria a armadilha de autoboicote.

Recorro frequentemente às palavras de Jung: ‘quando olhamos para fora iludimo-nos, quando olhamos para dentro despertamos’. A valorização do mundo interior é de suma importância na medida em que é aí que se encontra a resposta para os desafios que vivemos. O exterior espelha sempre o nosso interior. Nada nos atinge as entranhas se não tiver o propósito de despertar em nós a criança que grita e necessita de atenção e cuidados para crescer. Queremos ser adultos, maduros e lidar com as situações de forma serena? Não temos alternativa. Não é o exterior que muda, é o nosso interior que aprende a lidar com as situações a nosso favor, para o nosso equilíbrio e serenidade, sem culpa, sem sofrimento, sem rancor.

E como é que se faz para nos tornamos psicologicamente adultos? Não se trata de nos adaptarmos a uma realidade exterior que nos incomoda, muito menos de nos subjugarmos a quem nos desrespeita, antes pelo contrário! O primeiro passo é pegar na situação exterior e estudar o impacto que ela tem em nós, ou seja, conseguir ir além do sentimento de ‘ofensa’ e olhar para o que nos faz sentir. O exterior é a matéria-prima de que dispomos para o autoconhecimento. Identificar, reconhecer, validar e aceitar a nossa realidade interior, sem julgamentos nem repreensões.

Ao ouvirmos a criança a gritar, responder com amor e compaixão. Ela nunca parou de gritar, mas quando se cansou de o fazer para fora através do som, começou a fazê-lo para dentro através do sofrimento. Só com amor e compaixão é que ela começa a ganhar a maturidade de novas hipóteses e de novas visões, a contemplar que há espaço para a dor, para a frustração e para as incertezas da vida. Aí abandonamos a luta e começamos a atrair situações mais adequadas para um Self Adulto responsável, autoconfiante, autoconsciente, autónomo e que sabe cuidar das suas necessidades.

Quando aprendemos a cuidar de nós e largamos a crença de que ainda temos de ser cuidados, começamos a ver no nosso caminho outro tipo de pessoas. Pessoas que nos nutrem, mas sem a expectativa de nos salvarem. Apenas olhando para a verdadeira necessidade escondida por detrás de um padrão defensivo e revoltado é que nos disponibilizamos a crescer e a desfrutar a nossa existência com mais alegria e entusiasmo.

Uma relação em crescimento é aquela que ativa o desconforto do nosso Self Infantil, pois obriga-nos a não nos esquecermos dele, mas, simultaneamente, nos dá o nutrimento necessário para não cairmos no rancor e na amargura. A criança grita, a relação nutre, mas quem cuida somos nós. E só quando aprendemos a cuidar da nossa criança interior ferida, com amor e compaixão, estaremos disponíveis para entrar em relações íntimas enriquecedoras, pautadas pela partilha da plenitude do nosso Ser e pela entreajuda no processo de crescimento, pois só conseguimos dar o que já existe em nós e só conseguimos receber o que a nossa realidade interior perceciona.