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Lado a lado. Ou frente a frente.

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As relações que vivemos ao longo da vida vão marcando e moldando a nossa visão do mundo, vão alterando o nosso modo de pensar e de sentir. Não paramos de sofrer transformações, nada em nós é imutável. Resta saber se a mudança que advém de relações vividas vai no sentido de murcharmos cada vez mais ou, pelo contrário, florescermos e sentirmos que somos cada vez mais felizes, apesar da dor sentida no passado. Dor e prazer, tristeza e alegria, medo e entusiasmo… são tudo elementos presentes numa relação amorosa. Rejeitar o que nos fez sofrer é abdicar do que nos enriqueceu e fez de nós o que somos hoje.

Quando se tem uma desilusão amorosa há uma tristeza que transparece no olhar de quem acreditou e, mais uma vez, sente ter falhado. Acreditámos, entregámo-nos, lutámos, insistimos até perdermos as forças e admitirmos que toda a energia investida não passou de uma ilusão. E com a desilusão vem a tristeza, vem o vazio, vem o sofrimento de mais uma morte. Já nada será igual. A nossa planta murchou. Não morreu, mas deixou de viver. Sobrevive no meio do caos da vida. Sobrevive até encontrar outro alguém que vê a nossa beleza – ainda que murcha – alguém que nos dá água e alimento e nos faz acreditar que temos forças para florescer de novo. Até voltarmos a perder esse nutrimento e murcharmos mais uma vez.

O ciclo repete-se. Num determinado ponto deste percurso repetitivo, passamos a desacreditar que é possível outra coisa além de sobreviver apenas. Com o passar dos anos, quando alguém nos volta a ver, a coragem para nos entregarmos é diminuta. Agarramo-nos à crença de que a única forma de proteger e salvaguardar o que ainda resta de nós é assumir que o único lugar seguro é a solidão e o vazio. Aí já ninguém nos magoa, estamos a sós connosco próprios. Não vivemos a entusiasmante surpresa da vida que nos faz voar e tocar nas estrelas, mas também não vivemos a angustiante imprevisibilidade que nos faz precipitar a pique. Mas será que uma relação amorosa é esperar que alguém nos salve, nos nutra, cuide de nós, nos leve às estrelas e nos largue bem lá em cima?

Dar sentido a cada experiência vivida, aprender com cada momento de leveza e de tensão, aceder às dificuldades que existem no nosso interior para cuidarmos delas, potenciar as nossas forças e voar cada vez mais alto em liberdade, lado a lado com alguém, ou frente a frente, não será isso muito mais nutridor? As relações fazem parte das aventuras da existência para nos conhecermos, para contactarmos as nossas feridas que gritam por atenção, para percebermos quais são os nossos medos e tratarmos deles. Enquanto não o fizermos, iremos depositar no outro o poder de fazer isso por nós. E quando depositamos no outro essa responsabilidade, ficamos à mercê do seu ritmo e da sua dedicação.

Quando finalmente percebemos esse nosso mecanismo de esperar do outro uma tarefa que nos cabe a nós fazer, então convencemo-nos de que a vida não é voar e cair continuamente. Não pode ser. Mas cuidar de nós é extremamente difícil, não aprendemos a fazê-lo. Então, uma primeira reação será encolhermo-nos ainda mais e, sem darmos por isso, lá estamos nós outra vez a renunciar à vida. Murchamos por ter e perder, murchamos por não ter. Que paradoxo! Qual a lógica disto tudo?

Quando ganhamos a coragem de olhar para nós próprios, ouvindo os nossos medos e necessidades, dando-lhes o devido valor e aceitar que fazem parte de nós e que são indispensáveis ao nosso percurso de desenvolvimento, então ganhamos também a capacidade de os mostrar, não para que o outro cuide deles, mas para que o outro os veja e valide a sua vontade de estar connosco na mesma, de fazer parte da nossa vida. Lado a lado, ou frente a frente.

O amor incondicional é amar sem condições, sem exigências, sem pedidos. É ter a capacidade de olhar e de ver o outro, de se mostrar, de caminhar juntos no que a vida tem de complexo e de simples. Passamos a ser companheiros de viagem, durante a qual assistimos orgulhosamente ao florescimento do outro. Mas para isso temos de sentir que aprendemos com as experiências passadas. Aprender implica alargar a consciência, reconhecer que o que vivemos foi fundamental para o nosso presente e sentir gratidão por essa vivência. Aprendemos o suficiente para chegarmos onde estamos hoje. Precisávamos desse suficiente para chegarmos onde estamos hoje.

Com esta certeza, olhamos para trás e sentimos que tudo valeu a pena e que agora estamos mais preparados do que nunca para voar até às estrelas com alguém a nosso lado. Ou frente a frente.