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O caminho da Parentalidade Consciente

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E se olhasses para o teu filho de uma perspetiva diferente?

Quando praticamos Parentalidade Consciente não olhamos para o comportamento das crianças como algo a corrigir, olhamos para o comportamento como algo a entender, pois este é apenas expressão das suas necessidades. Se entendermos o comportamento podemos atuar fazendo as mudanças que acharmos necessárias (sejam elas relacionadas connosco ou com a criança ou com ambos). Quando não estamos habituados a esse processo de reflexão, pode ser desafiante, mas é sem duvida recompensador.

Quando seguimos este caminho acreditamos que uma boa educação acontece via relações saudáveis com amor incondicional e não através da correção do comportamento. Reagimos às necessidades dos nossos filhos, procuramos compreendê-las, o que não quer dizer que satisfazemos todos os seus pedidos. Necessidades e desejos são diferentes. Quando seguimos este caminho estamos focados no desenvolvimento de uma autoestima saudável (a nossa e do nosso filho).

Parentalidade Consciente

A Parentalidade consciente é tanto sobre os nossos filhos como sobre nós, pais. É sobre o percurso que fazemos para nos desenvolvermos também enquanto pessoas. É uma verdadeira jornada de autoconhecimento, assim queiramos aceitar o desafio. Tentamos ser os melhores pais para os nossos filhos e sentimos, a maioria de nós, amor incondicional por eles. Não é por falta de amor que impomos as nossas vontades mas sim por falta de consciência.

Se estivermos atentos à nossa própria inconsciência e ao nosso próprio comportamento, muitas vezes no reflexo que os nossos filhos nos devolvem, podemos sim integrar a mudança. Esta começa tendo consciência das nossas intenções enquanto pais e, estando preparado para refletir sobre a forma como os nossos hábitos e padrões de comportamentos estão alinhados com essa intenção. E acredito que temos em nós o potencial e as ferramentas necessárias para criar uma maior harmonia familiar.

Paz interior e filosofia de vida

Digo muitas vezes que conhecer a Parentalidade consciente me trouxe uma grande paz interior. Percebi que não há certos nem errados, mas há um caminho baseado na consciência das escolhas que fazemos e do impacto que isso tem nos nossos filhos; percebi que o que interessa é mesmo a qualidade da relação pois com uma relação genuína, autentica e profunda as soluções aparecem; percebi que são as nossas intenções que nos guiam e em função dessas posso validar a minha forma de agir; percebi que tenho sempre escolhas, tudo depende da relação que quero ter comigo e, no meu caso, com as minhas filhas.

Esta forma de estar na parentalidade, torna-se uma filosofia de vida pois baseia-se na tomada de consciência de que são os nossos hábitos enquanto pais o ponto de partida para criar relações fortes e saudáveis com as crianças. E essa relação forte e saudável deve ser o nosso objetivo. Seja connosco mesmos, com os nosso filhos ou em qualquer outra relação.

Praticar os valores base da PC é fomentar relações saudáveis : Praticar o Igual valor, Autenticidade,  Respeito pela integridade e Responsabilidade pessoal são valores base das relações humanas.

“Ser pai consciente é mais sobre desaprender preconceitos do que aprender conceitos. É um deixar ir de tudo aquilo que não serve a nossa intenção como pais, um desaprender de tudo que não promove relações saudáveis baseadas no amor incondicional e tudo aquilo que não ajuda os nossos filhos a crescer e prosperar emocionalmente.” – Mikaela Ovén (Academia de Parentalidade Consciente)

 

Por : Fátima Gouveia e Silva (Coach e Facilitadora de Parentalidade consciente)

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Transitar ou transitar? Não há questão.

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Vamos pensar sobre: Transições de ciclos escolares e académicos.

O regresso às aulas é um período muito peculiar, afecta não só os estudantes como todo o núcleo familiar. Nesta dinâmica há uma questão que não costuma ser abordada e que muitas famílias, em particular as mães, me têm pedido apoio – na gestão da transição de ciclo.

Tenham em mente as principais transições: 4º para 5º ano | 9º para 10º ano | 12º ano para ensino superior. À parte da adaptação que costuma acontecer em todos os anos lectivos, há a integração noutra realidade: nova escola, professores diferentes, mais disciplinas, horários mirabolantes e escolha de área de estudos.

Se as crianças e adolescentes da vossa família estão a passar por esta fase, aconselho um conjunto de estratégias que os meus coachees foram implementando e que podem ser usadas em simultâneo ou adaptadas ao contexto, a ideia é experimentar e perceber o que resulta na dinâmica familiar.

Estratégias

Incluir o estudante na escolha da escola: as questões logísticas, por vezes, falam mais alto e algumas famílias esquecem-se de consultar as crianças/adolescentes nesta fase. Apresentem as opções e façam a escolha em conjunto. Se não há um leque diverso de possibilidades, pesquisem a escola e apresentem-na ao seu futuro aluno e quem sabe fazer um tour em família.

Alinhar expectativas: antes da escola começar, num ambiente diferente, abordem a questão da transição de ciclo e entendam as principais expectativas, receios e objectivos do aluno. Tenham uma conversa sincera sobre estes temas e podem recorrer às vossas experiências pessoais para partilhar perspectivas.

Envolvimento na vida escolar: andamos tão assoberbados, num ciclo sem fim de tarefas que é provável que nos esqueçamos do básico. Não é necessário fazer-se diariamente, mas com alguma regularidade é relevante perguntar: Como correu o teu dia? Tens novidades? Precisas da minha ajuda em alguma tarefa? Tão essencial como este envolvimento é o exemplo dos responsáveis, partilhem como correu o vosso dia e mostrem interesse genuíno. Back to basics.

Registo dos desafios: um diário é uma enorme ajuda para as crianças e adolescentes. Tem a vantagem de praticarem a sua escrita e mais importante: podem descrever os seus dias, analisá-los e colocar os seus desafios em perspectiva.

Estas estratégias podem ser muito dinâmicas e criativas. Encontrem jogos, ambientes ou formas originais de as colocarem em acção. Farão parte do vosso plano “ano lectivo fantástico” e irão também potenciar momentos de união e partilha familiar.

Desejo um óptimo ano lectivo!

 

(este artigo rege-se pelo antigo acordo ortográfico)

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As crianças e a tecnologia

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Para o melhor e para o pior, a era digital é hoje uma realidade irreversível. Numa sociedade cada vez mais dependente da tecnologia, é fundamental gerir o tempo que as nossas crianças estão em contacto com dispositivos digitais.

Hoje, acredita-se que a tecnologia e os gadgets são essenciais para o desenvolvimento de uma criança, mas até que ponto? Quanto tempo deve uma criança passar em frente de um ecrã é uma questão colocada não só por pais preocupados, mas também por psicólogos, organizações de saúde e até governos.

A forma como minimizamos os riscos e efeitos nocivos fruto de uma utilização excessiva é fundamental para conseguirmos que as crianças cresçam de forma saudável, neste contexto.

De acordo com dados do COSI Portugal 2016 (Childhood Obesity Surveillance Initiative – Iniciativa de Vigilância da Obesidade Infantil), 80% de 6.048 crianças do 1º Ciclo que participaram no estudo, passam 1 ou mais horas por dia (durante a semana)a utilizar um computador em jogos eletrónicos. Esta percentagem aumenta para 98,2% quando olhamos somente para o fim de semana. (ver estudo aqui).

Se este indicador é analisado devido ao seu impacto na atividade física e consequente obesidade infantil, a verdade é que hoje surgem cada vez mais estudos sobre outros efeitos nocivos dos dispositivos digitais, em casos de exposição excessiva. As crianças desconectam-se da vida real e se por um lado, esta desconexão é mais palpável durante a adolescência, a verdade é que é nos anos pré-escolares e 1º ciclo que estes dispositivos mais afectam o desenvolvimento motor, cognitivo, emocional e social das crianças.

Sono

O impacto da qualidade/duração do sono no crescimento e o bem-estar da criança tem sido amplamente estudado. O sono é fundamental para a saúde, desenvolvimento, cognição e comportamento da criança. Vários estudos concluíram que um sono pobre está associado a problemas comportamentais e emocionais na infância e na adolescência. A má qualidade do sono é altamente prevalecente em crianças com problemas comportamentais ou emocionais, como ansiedade, depressão ou transtorno de défice de atenção/hiperatividade (TDAH). A fraca qualidade do sono, por sua vez, também pode comprometer o funcionamento mental e físico.

Num estudo publicado em Outubro 2017 pelo Global Pediatric Health verificou-se a relação entre a utilização de dispositivos electrónicos antes de dormir e a quantidade/qualidade do sono da criança, a sua capacidade de concentração e o índice de massa corporal.

tecnologiaO estudo concluiu que há uma relação significativa entre a utilização de dispositivos electrónicos antes de dormir (ver vídeos, jogar jogos, ver televisão) e o número de horas de sono e dificuldade em adormecer. Crianças que jogavam jogos ou viam videos na hora de ir dormir, tinham maior dificuldade em adormecer e dormiam menos horas. Por outro lado, estas crianças apresentavam maior cansaço de manhã,  ou seja, a qualidade do seu sono era pior do que as crianças que não estavam expostas a dispositivos electrónicos, antes de dormir.

A luz dos dispositivos digitais é “rica em ondas curtas”, por isso tem uma maior concentração de luz azul do que a luz natural – e a luz azul afeta os níveis da melatonina hormona indutora do sono mais do que qualquer outro tipo de onda.

No estudo verificou-se que as crianças que estão mais tempo a ver televisão, jogos electrónicos, vídeos, telemóveis apresentam maior distracção.

Crianças que passam algum tempo a ler por exemplo, demonstram maior capacidade de concentração, atenção intensa e sustentada, imaginação e memória. A proliferação da televisão alterou essa atenção, com estímulos visuais intensos, atenção fragmentada e pouca necessidade de imaginação.

Desenvolvimento e Crescimento

Movimento, toque, conexão humana e ligação à natureza são factores necessários para um desenvolvimento equilibrado e saudável da criança, em termos físicos, psicológicos, emocionais e sociais. Estes estímulos sensoriais promovem o desenvolvimento adequado da postura, coordenação bilateral, auto-regulação das emoções, valências importantes para no crescimento da criança e sua adaptação à escola, por exemplo.

A estimulação tactil através do toque, abraço e jogos são fundamentais, estimulando o sistema nervoso parassimpático que controla os níveis de cortisol,  adrenalina e ansiedade.

Uma análise mais profunda mostra que, se por um lado, valências sociais, emocionais , expressão oral são menos desenvolvidos, em contraste, os dispositivos electrónicos são excessivos nos estímulos visuais e auditivos. Este desequilíbrio sensorial provoca enormes problemas no desenvolvimento neurológico, com efeitos anatómicos e químicos permanentes.

Uma criança exposta a um nível de violência desadequado para a sua idade, na televisão ou jogos, estará num estado elevado de adrenalina e stress. Embora os efeitos a longo prazo desse estado crónico de stress na criança em desenvolvimento sejam desconhecidos, sabemos que o stress crónico em adultos resulta num sistema imunológico enfraquecido e  numa variedade de doenças e distúrbios graves.

Dependência

Como outros vícios, o tempo de exposição a estes dispositivos cria alterações significativas na química do cérebro – principalmente, na libertação da dopamina. Este neurotransmissor – também conhecido como o químico do prazer – tem um papel central desde a dependência do açúcar até à da cocaína.  A dopamina é produzida quando vemos algo interessante ou novo, mas também tem uma segunda função. No entanto, a dopamina é também o neuroquímico envolvido na maioria dos vícios – é o químico da recompensa.

Em Silicon Valley, local sede de várias empresas tecnológicas,
os pais estão a criar os seus filhos, controlando a sua exposição a
este tipo de dispositivos e isto deveria ser um alerta para todos nós.

Personalidades como Steve Jobs (Apple), Bill Gates (Microsoft), Tim Cook (Apple) ou Vijay Koduri (Google), tinham já em várias entrevistas afirmado que controlam e restringem a utilização de dispositivos móveis, video jogos, acesso à internet, dos seus filhos.

No entanto, num estudo realizado em 2017 pela  Silicon Valley Community Foundation feito a  907 pais que trabalham nestas empresas tecnológicas em Silicon Valley, veio mostrar que apesar de confiarem nos benefícios destas tecnologias, muitos estão preocupados com o seu impacto no desenvolvimento psicológico e social dos seus filhos.

Vários empregados destas empresas vêem a publico criticar o foco que estas empresas têm em criar produtos tecnologócios altamente viciantes.

Estas empresas sabem que quanto mais cedo captarem as crianças e jovens
mais facilmente serão dependentes da sua plataforma
e produtos para toda a vida
Vijay Koduri

Em 2007, Bill Gates, estabeleceu um limite de tempo máximo de utilização quando a sua filha começou a desenvolver um comportamento dependente de um video jogo. Mais tarde, tornou-se política familiar não permitir que as crianças tivessem os seus próprios telefones até completarem 14 anos.

Steve Jobs, revelou numa entrevista no New York Times em 2011 que proibiu os seus filhos de usar o iPad recém-lançado na altura. “Nós limitamos a quantidade de tecnologia que nossos filhos usam em casa”.

Muitos pais do referido estudo disseram que sua melhor defesa contra o vício em tecnologia é introduzir atividades de substituição ou encontrar maneiras de usar a tecnologia de forma mais produtiva. Quando as secas da Califórnia apagaram o quintal de Koduri, ele encheu o lote com cimento e construiu um campo de basquetebol, que os seus dois filhos e amigos usam.

Quando Amy Pressman (fundadora da empresa de software  Medallia) notou que a sua filha se interessava por computadores, os dois inscreveram-se para aprender a programar juntos.

Esses pais esperam poder ensinar os seus filhos a entrar na vida adulta sabendo como usar – e, em certos casos, evitar – tecnologia.

 

 

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Do outro lado do medo

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Medo da rejeição. Medo do abandono. Medo da humilhação. Medo da traição. Medo da injustiça. Estes são cinco dos medos básicos inerentes à condição humana, que se desenvolvem com maior ou menor intensidade segundo uma série de variáveis no nosso percurso de crescimento emocional.

Associado a cada medo existem necessidades psicológicas que, por não terem sido preenchidas em idade infantil, criam carências que transportamos ao longo da vida. Uma criança que tenha sentido traição ou abandono por parte de uma figura de referência permanece com esse sentimento registado no seu aparelho psíquico, o qual lança um sinal de alerta numa relação posterior onde sinta proximidade afetiva. O medo subjacente, despoletado nos primeiros anos de vida, condicionará as dinâmicas interpessoais em adulto, através de estratégias e mecanismos de defesa que adotamos de modo a evitar reviver o mesmo tipo de situação.

Assim, chegamos ao ponto de dizer ‘diz-me o que queres que eu faça, basta que não me deixes!’. Disponibilizamo-nos a fazer o que estiver ao nosso alcance para não passar pelo que outrora nos causou tanto sofrimento. O paradoxo surge quando, ao tentar evitá-las, acabamos por as provocar, repetindo-se assim o trauma mediante um padrão do qual queremos sair e não sabemos como.

Procuramos preencher as nossas carências através dos outros, esquecendo-nos que esses outros não existem para nos preencher. Cada pessoa tem as suas mazelas de crescimento, tem os seus medos e necessidades, e enquanto virmos no outro a fonte da nossa salvação vivenciamos um choque de exigências e cobranças, tornando a relação uma luta em vez de um aconchego.

Como passar de um campo de batalha, onde somos cada vez mais atacados e feridos, para um terreno seguro e nutridor, no qual vamos sanando o nosso coração?

Inicialmente procuramos o que nos é familiar. Não questionamos os hábitos que adquirimos até nos permitirmos ter uma experiência diferente que nos faça sentido. Se em criança somos sujeitos a críticas, assimilamos uma imagem negativa de nós próprios que nos acompanha como se fosse verdadeira. Podemos nem ter consciência dela, mas uma baixa autoestima condiciona as escolhas de vida e a qualidade das nossas relações. Se os nossos pais são demasiado protetores e nos incutem que o mundo é perigoso, a forma como nos movimentamos dificilmente será de confiança, pois tudo é visto como um risco. São inúmeros os exemplos que resultam em crenças falsas e prejudiciais, que condicionam o nosso sentir, logo, a nossa interação com o exterior.

Uma cliente minha sofre horrores no trabalho. Sente-se posta de lado pela dificuldade em aderir ao ambiente de euforia e diversão. Fica triste, o que, por sua vez, não é bem acolhido pelos colegas, intensificando assim a sensação de exclusão. A sua angústia começou a traduzir-se em sintomas físicos de fortes dores de barriga, dores de cabeça e tonturas, a ponto de recorrer a baixa médica. Longe do trabalho os sintomas aliviam, mas perante a ideia de alta reaparecem. Percebemos pela sua história que existe uma grande lacuna na necessidade psicológica de pertença. Quer fazer parte, mas as atitudes do grupo – e as dela própria – aumentam a sua dor de exclusão, potenciando, paralelamente, a sua necessidade de pertença. Vive numa carência profunda sem encontrar modo de sair desta pescadinha de rabo na boca.

Porque é que não muda de comportamento e se torna mais sociável? Ou porque é que não procura pessoas mais em sintonia com ela? Porque não é isso que o seu sistema emocional conhece! O que o seu sistema sabe fazer é tentar desesperadamente sentir-se pertence junto de pessoas que não a acolhem, que a criticam e que lhe provocam uma sensação de desadequação, pois foi isso que viveu em criança.

Estamos perante o que chamamos de repetição do padrão. Ao longo da vida repetimos um padrão de comportamento porque não conhecemos outro, por muito tóxico que ele seja. Quem viveu a falta de atenção e carinho em criança, vai cruzar-se com pessoas de quem não recebe suficiente afeto porque essa é a energia que lhe é familiar. Pessoas que dão carinho e atenção não se ajustam ao seu sistema de funcionamento na medida em que é um tipo de vibração que desconhece, que estranha, por muito que precise dela. Quem viveu a crítica sente-se inconscientemente atraído por pessoas que criticam, pois as outras não entram no seu radar. Quem sofreu a traição ou a humilhação, facilmente entra em relações onde é maltratado e traído, caso contrário não vincula. Curiosamente somos excelentes em dar aos outros o que nos faltou e precisamos de receber…

Qual a lógica de procurar algo que na prática rejeitamos, insistindo em receber o oposto do que queremos?! Repetimos um padrão simplesmente porque é o que conhecemos, mas como estamos num caminho onde, felizmente, o crescimento é possível, um passo nesse sentido é quebrar com o que nos é nocivo. No entanto, crescer implica fazer escolhas que se coadunam com as nossas necessidades de forma natural e não forçada, o que significa que algo interno tem de mudar. Imposições lógicas e racionais externas não funcionam.

Para crescer não basta perceber cognitivamente o mecanismo, há que sentir emocionalmente que chegou o momento de romper com um determinado padrão – que é fruto da nossa dinâmica interna e não da pessoa que o desperta em nós. A toxicidade está na nossa reação, não no outro. Precisamos de colocar a nossa integridade em primeiro lugar, valorizar o amor próprio e o autorrespeito em detrimento de uma carência infantil que berra pela atenção do outro e que entra em litígio quando não obtém o que quer. Chegou a hora de olhar mais para nós próprios e menos para o outro em função de nós. O outro nunca vai suprir as carências nem curar as nossas feridas. Em criança isso era possível, em adultos já não.

A possibilidade de alcançar esta clareza emocional chega quando se atinge um ponto de exaustão. Só no limite conseguimos declarar com convicção ‘já não aguento mais, algo tem de mudar. Não sei como fazer, só sei que assim já não dá para viver’. Só quando a dor se torna insuportável começamos a considerar a hipótese de desistir da rigidez do passado e dar um passo novo. Daí a importância de nos abrirmos ao sentir, de ouvir a nossa parte emocional. Quanto mais nos disponibilizamos a contactar os nossos sentimentos, mais sentimos a dor, mas só no contacto com a dor conseguimos quebrar os padrões de condicionamento.

A mudança implica o maior ato de coragem que podemos alguma vez ter: entregarmo-nos à possibilidade de reviver o nosso grande medo, a nossa cena temida de criança, com a consciência de que agora, em adultos, temos uma estrutura interna suficientemente forte e autónoma, capaz de dar uma resposta diferente ao exterior com vista a sair da prisão causada pelo trauma sofrido. Atraímos as pessoas e as situações que nos ativam as feridas internas não apenas porque nos são familiares, mas também porque só na relação com elas temos a oportunidade para alterar o nosso comportamento.

A mudança não é estanque, não passa por um corte repentino com o velho para amanhã acordar novo. Trata-se de um processo faseado em três etapas:

  • Adquirir consciência dos nossos mecanismos internos: medos, necessidades, feridas, defesas, carências que deixaram marcas profundas; conhecer a nossa história e fazer as pazes com ela, observando-a com amor e carinho.
  • Aceitar, ver as realidades interna e externa por aquilo que elas são, dissolver a ilusão de um passado e/ou de um futuro no qual fantasiamos acudir as necessidades junto de quem nos ativa as carências e que o outro vai mudar para nos salvar. Agora somos nós os nossos cuidadores; os outros podem (ou não) fazer-nos companhia neste processo.
  • Experimentar o que desconhecemos, abrirmo-nos ao imprevisível com a certeza de que o antigo já não serve o nosso propósito.

Dizer ‘não’ a situações e pessoas que nos atraem mas que nos fazem mal, largar e abrir mão do que temos vivido até aqui, distanciarmo-nos do que nos causa uma reincidência da dor, desta vez não por fuga ao sofrimento mas com a consciência de que isso alimenta uma dinâmica tóxica, é o que cria a verdadeira mudança num processo de evolução psicológica. Chegamos aqui se ao longo do caminho formos alimentando uma energia de amor e compaixão por nós próprios, pois a capacidade de abrir mão do tóxico apenas surge quando sentirmos uma necessidade urgente de agarrar o que é nutridor.

É imprescindível olhar e cuidar do nosso ser para que as escolhas sejam guiadas não pelas carências, medos e desejos do nosso ego, mas pelas necessidades reparadoras da nossa essência. Enquanto vivermos no medo de perder, não vivenciamos o que se esconde do outro lado: a liberdade de sermos nós próprios num caminho de desapego do passado e de amor incondicional pelo presente.

Foto de Bernardo Conde (www.bernardoconde.com)

 

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Filhos: criar uma autoestima sólida

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Na maior parte dos casos, os adolescentes passam a vida a comparar‐se uns aos outros, construindo identidades falsas para agradarem e serem aceites nos respetivos grupos e meios sociais. Na verdade, os adultos também são, muitas vezes, acossados por este tipo de conflitos internos. Regulamos, demasiadas vezes, a nossa maneira de ser de acordo com aquilo que os outros acham que somos.

Muitas vezes, adolescentes e adultos esquecem que é precisamente no nosso interior que se encontra o amor que tanto desejamos, escondido sob o nome «autoestima».
A autoestima define‐se pela forma como nos valorizamos e pela consideração que temos pelos nossos valores, sentimentos e projetos. É uma necessidade básica de todo o ser humano. Não obstante, esta necessidade é, demasiadas vezes, mal compreendida.

De que forma podemos ajudar os nossos filhos adolescentes a adquirir uma autoestima sólida? O primeiro passo consiste em prepararmo‐nos com doses enormes de paciência. Tudo começa com o esforço para os criticarmos menos e começarmos a apoiá‐los e valorizá‐los pelas pessoas que são e não pelas que achamos que deveriam ser. Os objetivos desta tarefa árdua são que aprendam a aceitar‐se melhor, que desenvolvam o seu próprio pensamento crítico — porque sentem que os ouvimos e respeitamos quando falam — e que vão desenvolvendo gradualmente o seu sentido de responsabilidade. Se se sentirem seguros, conseguirão aceitar melhor o que vão descobrindo sobre quem e como são. Deste modo, tomarão consciência das suas capacidades e potencialidades e poderão aprender a aceitar as suas limitações, sem as negarem mas também sem se recriarem nelas.

Que recursos temos que nos permitam ajudar a desenvolver a autoestima dos nossos filhos:

  • Demonstrar que os amamos. Não basta dizê-lo. Temos de agir em conformidade, o que pressupõe dedicarmos‐lhes o tempo necessário, desenvolver atividades em conjunto e empregar ao máximo a comunicação assertiva e a audição empática;
  • Apoiá-los nas suas preocupações e aos seus interesses. É muito importante que se sintam apoiados por nós, pois isso encoraja‐os a partilharem mais das suas vidas connosco e aumenta‐lhes a sensação de segurança;
  • Ajudá-los a estabelecer metas e celebrar com eles as suas vitórias. Podemos, ainda, recordar‐lhes de vez em quando que estamos orgulhosos deles e especificar o(s) motivo(s). Encorajá‐los a praticar desporto é mais uma boa estratégia, especialmente se se tratar de um desporto de equipa, pois este tipo de desportos fomenta o companheirismo e inclui a cultura do esforço;
  • Por fim, abandonar a crítica e começar a falar dos aspetos que podem ser melhorados. Não se trata de os menosprezar, mas de os ensinar a procurar formas novas e mais eficazes de fazerem as coisas.
A construção de uma autoestima sólida é um elemento-chave no estabelecimento de relações saudáveis com as pessoas que nos rodeiam, relações essas que devem basear‐se no respeito mútuo. Para que os nossos filhos consigam isto, temos de os ensinar a alcançar a autoconfiança, que é o melhor antídoto contra o medo de avançar, que os paralisa.

Se acreditarmos neles e nas suas potencialidades, transmitir‐lhes‐emos a noção de que também podem confiar em si próprios. Talvez deixem de se sentir tão presos às opiniões alheias a partir desse momento e sejam capazes de tomar as rédeas da sua própria vida, responsabilizando‐se pelos seus atos e decisões.

Mais do que escondermo‐nos atrás da máscara do que julgamos agradar aos outros, a autoestima permite‐nos ser os verdadeiros protagonistas das nossas vidas, e aos nossos filhos permite‐lhes tornarem‐se os protagonistas das suas.

Em Esta casa não é um hotel, Irene Orce, Self

Irene Orce: Leciona na Faculdade de Economia da Universidade de Barcelona (UB) no mestrado de Desenvolvimento Pessoal e Liderança. Desde jovem que iniciou a sua jornada de autoconhecimento, adquirindo conhecimentos e formando-se com ferramentas como o Eneagrama e a Programação Neurolinguística. Em 2009 concluiu o seu mestrado em Liderança e Coaching Pessoal na UB, no seguimento do qual criou a “Metodologia Metamorfosis”. Este método destina-se a acompanhar profissionalmente as pessoas que querem desenvolver o seu potencial para construir uma vida mais coerente com os seus verdadeiros valores e necessidades.