
Uma vida com sentido só é possível quando somos capazes de escrever a nossa própria história, quando conseguimos dar primazia ao que pensamos e sentimos em vez de a dar ao outro, quando tomamos decisões coerentes com a nossa essência, quando reconhecemos e respeitamos a nossa natureza, quando valorizamos o nosso potencial e o tentamos manifestar no mundo, quando honramos as nossas necessidades e desejos, quando mergulhamos em relações que nos nutrem e reforçam todas as capacidades individuais. Manter a própria autonomia numa relação traduz-se em preservar a própria identidade, ao contrário de a perder no outro. E isso só é possível através de um autoconhecimento profundo.
Conhecer-se é ser capaz de identificar o que é nosso e o que é do outro, é ter a consciência do que pensamos e sentimos durante a interação com alguém. Se tivermos uma consciência muito presente do que somos, de onde estamos e do que queremos para a nossa vida, em lugar de nos afogarmos ao mergulhar no oceano das relações, sentimos o prazeroso contacto com a água e a transformação que se dá em nós através dessa experiência.
Os outros fazem parte da nossa existência. Seria terrível se o nosso falso desejo de estar numa ilha deserta, em paz, se concretizasse. Somos seres sociais por natureza, desde sempre. É com os amigos que potenciamos as nossas alegrias e atenuamos as nossas tristezas, é com eles que sentimos conforto, compreensão, cumplicidade, ligação, vínculo. É através dos outros que nos conhecemos, pois é com um gesto amável que nos comovemos e com um gesto de rejeição que nos sentimos magoados. Independentemente da sua intenção, o importante é o que nós sentimos e ganhar essa consciência é reconhecer os nossos medos e os nossos sonhos, é perceber do que gostamos, do que precisamos e do que não queremos. É também através dos outros que crescemos, pois com eles vamos sanando feridas e concretizando desejos, não é seguramente ficando fechado em casa na esperança que tudo à nossa volta mude.
A vida encontra sentido quando criamos vínculo nas relações. Vinculamos quando satisfazemos a necessidade básica universal do ser humano de pertença. Sentir que se faz parte é uma das sensações mais reconfortantes que podemos ter e é tão poderosa que não é por acaso que estrangeiros que vivem fora do seu país tendem a procurar pessoas da mesma nacionalidade: partilham valores e formas de estar na vida onde se reconhecem e sentem pertencer a algo que ultrapassa a personalidade individual. Procuramos suprir esta necessidade de pertença em vários tipos de grupo (desporto, passatempos, família, etc.), mas muitas vezes sentimo-nos insatisfeitos porque em vez pertencermos sentimo-nos apenas integrados, o que não é a mesma coisa.
‘Integrar’ significa adaptar-se para ser aceite, implica o esforço de entender o funcionamento dessa(s) pessoa(s) e moldar-se ao seu mecanismo. Pelo contrário, ‘pertencer’ implica mostrar-se, expor a nossa natureza, em ambas as vertentes: medos e desejos, inseguranças e necessidades. Implica ser autêntico, o que é paradoxalmente difícil, pois passa por reconhecer o que sentimos para depois exprimi-lo, correndo sempre o risco de não sermos compreendidos e aceites. Quando isso acontece a dor é imensa, mas quando o interlocutor está recetivo e nos aceita, a relação fortalece-se. Permitir que o outro aceda às nossas imperfeições é a única maneira de alimentar uma relação verdadeira e nutritiva.
É pelas imperfeições reveladas através da nossa vulnerabilidade que se cria um vínculo saudável. O vínculo é o que existe entre as pessoas quando se sentem vistas, ouvidas, reconhecidas, valorizadas e amadas. Expor uma ferida aberta pode ser traumático, mas quando sentimos que do outro lado há abertura e empatia, pode ser curativo. Sentir essa confiança é fundamental, pois as relações também precisam de tempo e de um terreno fértil para crescer.
No medo de perder o outro colocamos uma máscara, fazemo-nos fortes, a custo de trairmos a nossa autenticidade. No entanto, se mostrarmo-nos é arriscado por desconhecermos a resposta do outro, ainda mais arriscado é escondermo-nos, pois isso leva-nos à ansiedade, à depressão e à dependência. Se dermos valor e honrarmos a nossa existência, partimos para a exploração dos nossos recursos internos, abrimo-nos à experiência, vamos atrás do prazer em vez de simplesmente evitar a dor, comunicamos de forma aberta e honesta e vivemos relações que nos fazem crescer. Nestas, não há espaço para uma fusão onde os dois se perdem na ilusão de serem apenas um, mas sim um encontro onde cada um mantem a sua identidade e surge uma terceira constituída pelos dois: Nós.