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A Arte de Influir 3 – Medo de falar em público? Deixe de se sabotar e aprenda a vencer o medo.

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O medo de comunicar alguma coisa, falar em público, de parecer ridículo ou sentir-se observado é muitas vezes uma questão cultural e educacional. Se crescermos num ambiente onde não temos a nossa auto-estima alimentada, é natural que cresçamos a ser pessoas inseguras. Se somos criticados e esse é o ambiente que nos é familiar, é natural que tenhamos medo de surgir perante uma multidão porque vamos achar que nos vão estar a julgar e criticar. Mas falar em público é natural para algumas pessoas. Porque é que algumas pessoas conseguem lidar tão bem com isso e nós não?

Faça este exercício: quando vê alguém a falar em público, essa pessoa é assim tão genial? Diz coisas que o fazem sentir que de facto essa pessoa tem muito mais capacidades do que você tem? Quantas vezes ouve alguém falar em público com o maior dos avontades, e pensa “eu poderia dizer tudo aquilo… eu sei tudo aquilo…”

O que distingue as pessoas que falam em público, é algumas vezes o conteúdo. Mas é acima de tudo, a capacidade que essa pessoa tem, de transmitir a sua mensagem de forma competente e consciente, sem deixar que o público a afete. A comunicação em público só funciona quando a pessoa consegue enfrentar o público sem deixar que o seu medo afete a qualidade da mensagem que está a transmitir.

Sabia que inúmeras personalidades que falam em público são naturalmente tímidas? Que muitas delas tiveram que vencer medos extremos e por vezes autênticas fobias para poderem ser competentes na sua profissão? E ninguém diria quando as vê discursar. Johnny Depp ainda hoje se esconde quando pode nos eventos sociais. Salma Hayek tem pânico de palco e treme perante uma audiência. Mas todos vencem esses medos através do uso algumas técnicas fundamentais:

  • Racionalize o seu medo. Pense concretamente do que tem medo e se esse medo faz sentido. As pessoas não estão ali para o deitar abaixo ou destruir. Aja naturalmente e relaxe.
  • Saiba do que fala e assegure-se da genuinidade da sua mensagem. Deixe que a sua mensagem seja inspiradora para si também e lembre-se dos motivos pelos quais a está a apresentar.
  • Treine bastante. Se ensaiou o suficiente, tenderá a estar muito mais seguro do que vai acontecer. Vai reduzir muito as variáveis imprevistas. Esteja à vontade no seu discurso para poder depois desfrutar do prazer de falar para outras pessoas.
Todos sabemos que o medo leva a que aconteça o que mais receamos… O medo de falar em público vence-se com o treino e a prática. (exatamente por esta ordem). Enfrente a realidade mas prepare-se para ela. Treine para os primeiros eventos, tornando-os algo que lhe vai trazer força em vez de permitir que sejam momentos que lhe tiram a confiança.
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Supere os seus medos no trabalho

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Nos moldes da sociedade ocidental o trabalho assumiu uma importância ainda maior no bem-estar das pessoas, não só porque é a sua fonte de rendimento mas também porque é onde as pessoas passam a maior parte das suas horas “úteis” diárias e por isso, torna-se difícil conseguir estar bem se, na maior parte do nosso dia estamos num local que nos causa ansiedades, receios ou até situações de confronto.

Não vamos falar sobre termos um trabalho com o qual nos identificamos, onde nos sentimos realizados e valorizados. Onde conseguimos investir no nosso desenvolvimento e mostrar as nossas mais-valias.

Vamos falar de conseguirmos estar num emprego onde não nos sentimos intimidados e onde não nos confrontamos diariamente com os nossos medos. Eis alguns dos receios mais comuns e algumas dicas de como ultrapassá-los:

Medo de Falhar

Todos nós já vivemos o medo de falharmos ou de errarmos no desempenho das nossas funções. Porque temos um cargo novo, porque as tarefas que desempenhamos têm um grande impacto na empresa, ou simplesmente porque estamos num ambiente competitivo, são várias as razões que nos levam a ter receio de falhar. E esse medo acaba muitas vezes por comprometer o nosso  desempenho.

Como podemos ultrapassá-lo?

Criar métodos que nos ajudem a minimizar as possibilidades de erro, perguntar em caso de dúvidas, mantermo-nos concentrados são algumas ferramentas que podemos utilizar. Mas o fundamental é relativizar o medo de falhar. Todos os que estão à nossa volta têm receio: chefes, colegas, estamos todos sobre essa pressão. O erro é algo que pode acontecer e nessa situação o importante é a aprendizagem que podemos retirar e as mudanças que podemos fazer.

O erro é experiência e ajuda-nos a fazer melhor, a antecipar problemas, a otimizar a nossa atividade.

Medo de nos expormos

Partilhar as nossas ideias, falar em público, ou qualquer situação em que sentimos que os olhos estão postos em nós, o medo de nos expormos está ligado ao receio de sermos julgados, não aceites ou simplesmente de nos sentirmos intimidados.
No entanto, um estudo publicado no Journal of Personality and Social Psychology mostra que pessoas que mostram a sua vulnerabilidade acabam por conseguir ganhar a confiança e o respeito dos que os rodeiam, criando-se relações de cooperação e ajuda entre as pessoas.

Identificar os nossos pontos menos fortes e investir na sua melhoria e desenvolvimento é o primeiro passo para conseguirmos diminuir o número de situações em que temos receio de estar expostos. Tem medo de falar em público? Faça formações, coloque-se em situações que consegue controlar mas onde possa treinar os skills necessários. Exemplo: integrar um grupo de teatro, falar em grupos onde nem todas as pessoas são suas conhecidas. Confiarmos em nós, aceitarmos o erro e sabermos que não coloca em causa o nosso valor torna-nos menos “permeáveis” e minimiza o impacto que a análise dos outros poderá ter na nossa auto-estima e no nosso desempenho.

Medo da mudança

Nós somos criaturas de hábitos e se por um lado nos queixamos da rotina, de um trabalho sem novidades e desafios, a verdade é que quando a mudança aparece, todas as nossas dúvidas vêm ao de cima e de repente deixa de ser um cenário positivo.
Porque receamos a mudança? É importante perceber porque nos deixa desconfortáveis, porque nos sentimos fora da nossa zona de conforto?

Nas organizações muitas vezes as mudanças não são bem sucedidas por falta de comunicação. Se a comunicação não é clara e suficiente essa pode ser a causa do nosso desconforto. Deveremos procurar informação e resposta para que haja menos incertezas num cenário de mudança.

Falta de confiança pode ser outra das razões para sermos avessos à mudança. Receamos novas funções, novo ambiente de trabalho, porque é diferente e sentimos que não temos controlo. Focarmo-nos nos nossos pontos fortes, na nossa experiência e nas acções que podemos levar a cabo para nos ajustarmos mais facilmente, ajuda-nos a minimizar o impacto da mudança e dá-nos confiança neste novo cenário.

Medo do confronto

A relação que mantemos com os nossos colegas, chefias, clientes, parceiros influenciam bastante o ambiente de trabalho. Por vezes acabamos por tentar evitar situações de confronto para garantir o bom relacionamento com os que nos rodeiam. No entanto, isto pode revelar-se uma estratégia pouco sustentável. E por outro lado, não nos ajuda a superar os nossos receios.
Há que saber manter um relacionamento saudável no entanto sem deixar de comunicar a nossa posição e fazer o nosso trabalho. Situações de conflito em que as pessoas não têm a mesma opinião ou discordam sobre uma situação, é normal. Há que saber conviver com o desacordo, encará-lo naturalmente e aprender a negociar e a encontrar um ponto que satisfaça ambos os lados. Ouça o seu interlocutor, veja os pontos em comum, negoceie algumas cedências de parte a parte.

Descubra como é que aciona os seus medos

O primeiro passo para lidar com o medo é saber claramente como é que o criamos. Por exemplo, se estivermos com receio de uma reunião que teremos de liderar e pensamos que poderá correr mal, esta é a origem do medo. É este pensamento negativo futuro que aciona a sensação de medo. E quanto mais repetimos esse cenário na nossa mente, mais essas imagens se tornam prováveis para nós.

Pessoas confiantes não ignoram o medo. Têm uma forma natural de entender quando é racional ou quando tem poucos fundamentos e se intromete naquilo que queremos alcançar. Se estamos com receio da reunião que vamos ter, o medo deverá ser utilizado para nos ajudar a refletir no que podemos melhorar, o que podemos preparar e por outro lado trabalharmos a nossa confiança.

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Do outro lado do medo

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Medo da rejeição. Medo do abandono. Medo da humilhação. Medo da traição. Medo da injustiça. Estes são cinco dos medos básicos inerentes à condição humana, que se desenvolvem com maior ou menor intensidade segundo uma série de variáveis no nosso percurso de crescimento emocional.

Associado a cada medo existem necessidades psicológicas que, por não terem sido preenchidas em idade infantil, criam carências que transportamos ao longo da vida. Uma criança que tenha sentido traição ou abandono por parte de uma figura de referência permanece com esse sentimento registado no seu aparelho psíquico, o qual lança um sinal de alerta numa relação posterior onde sinta proximidade afetiva. O medo subjacente, despoletado nos primeiros anos de vida, condicionará as dinâmicas interpessoais em adulto, através de estratégias e mecanismos de defesa que adotamos de modo a evitar reviver o mesmo tipo de situação.

Assim, chegamos ao ponto de dizer ‘diz-me o que queres que eu faça, basta que não me deixes!’. Disponibilizamo-nos a fazer o que estiver ao nosso alcance para não passar pelo que outrora nos causou tanto sofrimento. O paradoxo surge quando, ao tentar evitá-las, acabamos por as provocar, repetindo-se assim o trauma mediante um padrão do qual queremos sair e não sabemos como.

Procuramos preencher as nossas carências através dos outros, esquecendo-nos que esses outros não existem para nos preencher. Cada pessoa tem as suas mazelas de crescimento, tem os seus medos e necessidades, e enquanto virmos no outro a fonte da nossa salvação vivenciamos um choque de exigências e cobranças, tornando a relação uma luta em vez de um aconchego.

Como passar de um campo de batalha, onde somos cada vez mais atacados e feridos, para um terreno seguro e nutridor, no qual vamos sanando o nosso coração?

Inicialmente procuramos o que nos é familiar. Não questionamos os hábitos que adquirimos até nos permitirmos ter uma experiência diferente que nos faça sentido. Se em criança somos sujeitos a críticas, assimilamos uma imagem negativa de nós próprios que nos acompanha como se fosse verdadeira. Podemos nem ter consciência dela, mas uma baixa autoestima condiciona as escolhas de vida e a qualidade das nossas relações. Se os nossos pais são demasiado protetores e nos incutem que o mundo é perigoso, a forma como nos movimentamos dificilmente será de confiança, pois tudo é visto como um risco. São inúmeros os exemplos que resultam em crenças falsas e prejudiciais, que condicionam o nosso sentir, logo, a nossa interação com o exterior.

Uma cliente minha sofre horrores no trabalho. Sente-se posta de lado pela dificuldade em aderir ao ambiente de euforia e diversão. Fica triste, o que, por sua vez, não é bem acolhido pelos colegas, intensificando assim a sensação de exclusão. A sua angústia começou a traduzir-se em sintomas físicos de fortes dores de barriga, dores de cabeça e tonturas, a ponto de recorrer a baixa médica. Longe do trabalho os sintomas aliviam, mas perante a ideia de alta reaparecem. Percebemos pela sua história que existe uma grande lacuna na necessidade psicológica de pertença. Quer fazer parte, mas as atitudes do grupo – e as dela própria – aumentam a sua dor de exclusão, potenciando, paralelamente, a sua necessidade de pertença. Vive numa carência profunda sem encontrar modo de sair desta pescadinha de rabo na boca.

Porque é que não muda de comportamento e se torna mais sociável? Ou porque é que não procura pessoas mais em sintonia com ela? Porque não é isso que o seu sistema emocional conhece! O que o seu sistema sabe fazer é tentar desesperadamente sentir-se pertence junto de pessoas que não a acolhem, que a criticam e que lhe provocam uma sensação de desadequação, pois foi isso que viveu em criança.

Estamos perante o que chamamos de repetição do padrão. Ao longo da vida repetimos um padrão de comportamento porque não conhecemos outro, por muito tóxico que ele seja. Quem viveu a falta de atenção e carinho em criança, vai cruzar-se com pessoas de quem não recebe suficiente afeto porque essa é a energia que lhe é familiar. Pessoas que dão carinho e atenção não se ajustam ao seu sistema de funcionamento na medida em que é um tipo de vibração que desconhece, que estranha, por muito que precise dela. Quem viveu a crítica sente-se inconscientemente atraído por pessoas que criticam, pois as outras não entram no seu radar. Quem sofreu a traição ou a humilhação, facilmente entra em relações onde é maltratado e traído, caso contrário não vincula. Curiosamente somos excelentes em dar aos outros o que nos faltou e precisamos de receber…

Qual a lógica de procurar algo que na prática rejeitamos, insistindo em receber o oposto do que queremos?! Repetimos um padrão simplesmente porque é o que conhecemos, mas como estamos num caminho onde, felizmente, o crescimento é possível, um passo nesse sentido é quebrar com o que nos é nocivo. No entanto, crescer implica fazer escolhas que se coadunam com as nossas necessidades de forma natural e não forçada, o que significa que algo interno tem de mudar. Imposições lógicas e racionais externas não funcionam.

Para crescer não basta perceber cognitivamente o mecanismo, há que sentir emocionalmente que chegou o momento de romper com um determinado padrão – que é fruto da nossa dinâmica interna e não da pessoa que o desperta em nós. A toxicidade está na nossa reação, não no outro. Precisamos de colocar a nossa integridade em primeiro lugar, valorizar o amor próprio e o autorrespeito em detrimento de uma carência infantil que berra pela atenção do outro e que entra em litígio quando não obtém o que quer. Chegou a hora de olhar mais para nós próprios e menos para o outro em função de nós. O outro nunca vai suprir as carências nem curar as nossas feridas. Em criança isso era possível, em adultos já não.

A possibilidade de alcançar esta clareza emocional chega quando se atinge um ponto de exaustão. Só no limite conseguimos declarar com convicção ‘já não aguento mais, algo tem de mudar. Não sei como fazer, só sei que assim já não dá para viver’. Só quando a dor se torna insuportável começamos a considerar a hipótese de desistir da rigidez do passado e dar um passo novo. Daí a importância de nos abrirmos ao sentir, de ouvir a nossa parte emocional. Quanto mais nos disponibilizamos a contactar os nossos sentimentos, mais sentimos a dor, mas só no contacto com a dor conseguimos quebrar os padrões de condicionamento.

A mudança implica o maior ato de coragem que podemos alguma vez ter: entregarmo-nos à possibilidade de reviver o nosso grande medo, a nossa cena temida de criança, com a consciência de que agora, em adultos, temos uma estrutura interna suficientemente forte e autónoma, capaz de dar uma resposta diferente ao exterior com vista a sair da prisão causada pelo trauma sofrido. Atraímos as pessoas e as situações que nos ativam as feridas internas não apenas porque nos são familiares, mas também porque só na relação com elas temos a oportunidade para alterar o nosso comportamento.

A mudança não é estanque, não passa por um corte repentino com o velho para amanhã acordar novo. Trata-se de um processo faseado em três etapas:

  • Adquirir consciência dos nossos mecanismos internos: medos, necessidades, feridas, defesas, carências que deixaram marcas profundas; conhecer a nossa história e fazer as pazes com ela, observando-a com amor e carinho.
  • Aceitar, ver as realidades interna e externa por aquilo que elas são, dissolver a ilusão de um passado e/ou de um futuro no qual fantasiamos acudir as necessidades junto de quem nos ativa as carências e que o outro vai mudar para nos salvar. Agora somos nós os nossos cuidadores; os outros podem (ou não) fazer-nos companhia neste processo.
  • Experimentar o que desconhecemos, abrirmo-nos ao imprevisível com a certeza de que o antigo já não serve o nosso propósito.

Dizer ‘não’ a situações e pessoas que nos atraem mas que nos fazem mal, largar e abrir mão do que temos vivido até aqui, distanciarmo-nos do que nos causa uma reincidência da dor, desta vez não por fuga ao sofrimento mas com a consciência de que isso alimenta uma dinâmica tóxica, é o que cria a verdadeira mudança num processo de evolução psicológica. Chegamos aqui se ao longo do caminho formos alimentando uma energia de amor e compaixão por nós próprios, pois a capacidade de abrir mão do tóxico apenas surge quando sentirmos uma necessidade urgente de agarrar o que é nutridor.

É imprescindível olhar e cuidar do nosso ser para que as escolhas sejam guiadas não pelas carências, medos e desejos do nosso ego, mas pelas necessidades reparadoras da nossa essência. Enquanto vivermos no medo de perder, não vivenciamos o que se esconde do outro lado: a liberdade de sermos nós próprios num caminho de desapego do passado e de amor incondicional pelo presente.

Foto de Bernardo Conde (www.bernardoconde.com)

 

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Da defesa à entrega

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Quando nos deparamos com uma situação de desconforto, a nossa tendência é fugir dela. Ninguém quer sofrer, parece óbvio! Se a presença de alguém nos cria mal-estar, a escolha mais comum é evitar cruzarmo-nos com essa pessoa. No entanto, nem sempre é fácil livrar-nos de quem consideramos ser a causa do nosso desânimo, pelo que nos sentimos condenados a ter de aguentar: é o caso de um familiar, de um colega, ou até de alguém que faz parte do nosso dia-a-dia. O mais paradoxal, e que tentarei explicar de seguida, é que se por um lado evitar a pessoa em questão ou tentar ignorá-la não resolve o nosso conflito interno, por outro, afastá-la faz com que a vida nos proporcione outros encontros que nos provocam desafios muito semelhantes.

Fica então o grande dilema: ‘como fazer para sair deste labirinto?’Pensamos que a saída nos distancia do sofrimento, mas outra grande aparente contradição ensina-nos que esse só se dissolve quando nos entregamos à experiência de viver o que tanto tememos. Sofremos mais pelo esforço de evitar que a chamada ‘cena temida’ se concretize do que por nos entregarmos à sua vivência, pois com esta vem a desmistificação do medo e, sobretudo, a possibilidade de sentirmos alegria e leveza.

Um dia fui fazer uma aula de Stand Up Paddle. Nunca me tinha colocado em cima de uma prancha no mar. Estava com uns nervos miudinhos que me proporcionavam um misto de receio – não sei do quê! – com entusiasmo. Embora saiba que muitos medos têm origens inconscientes e, portanto, são racionalmente inexplicáveis, questionava-me acerca do porquê daquela sensação de apreensão: o mar estava calmo, eu estava devidamente equipada e bem acompanhada, pelo que a causa permanecia desconhecida. Depois de ter entrado na água, o instrutor diz-me: ‘Vá Rossana, agora põe-te de pé’.

A medo, lá fiz o que me mandou. Consegui pôr-me de pé. ‘Vá, agora anda!’. ´Tenho medo!’ Gritava eu a rir-me, pois tinha noção do ridículo da situação. Perante aquela resposta, surgiu-lhe a mesma pergunta que já me tinha surgido a mim: ‘Mas tens medo de quê?’. Já nem ia ao porquê! E eu, completamente mergulhada naquela confusão emocional, respondi sem pensar ‘Tenho medo de cair!’. O comentário dele foi exatamente o que eu precisava de ouvir naquele momento: ‘Então cai para veres o que é que te acontece’. Em plena consciência da minha decisão, mas sem consciência nenhuma do resultado em termos de variação psicológica, abandonei o meu corpo e entreguei-me à sensação da queda na água. Uau! Até foi bom!

Libertei-me da tensão e comecei a conseguir finalmente desfrutar daquela aventura no mar, descontraída e focada no prazer dos pormenores mais hilariantes e inesperados. Mas isto só foi possível porque o meu medo se dissolveu no momento em que escolhi entregar-me à vivência da ‘cena temida’ com consciência, pois quando somos apanhados de surpresa, nem sempre temos a mesma sorte.

Em situações onde somos apanhados desprevenidos e nos sentimos em perigo, temos três reações instintivas: a fuga, o ataque ou o congelamento – isto é comum em todos os animais. Instintivamente fugimos quando sentimos não ter capacidade para derrubar o perigo iminente: se nos aparece um leão à frente, é mais natural desatar a correr do que tentar matá-lo –  a não ser que tenhamos armas e competências para isso, então nesse caso eventualmente atacamos para nossa defesa. Na terceira hipótese, dependendo da pessoa e do contexto, a tensão provocada pode ser tão grande que a reação não leva nem à fuga nem ao ataque, mas sim à paralisação.

Estas três possibilidades não são determinadas por um pensamento racional acerca de qual a melhor opção. Tudo acontece em frações de segundo. Ao pensar numa situação de ameaça à nossa sobrevivência, podemos ter uma ideia de como reagiríamos, mas só passando por ela é que sabemos.

Os exemplos acima descritos falam de sobrevivência física, mas servem-nos para fazer uma analogia com a sobrevivência psicológica, pois o mecanismo interno da nossa psique é o mesmo: há situações que põem em perigo a nossa estrutura psicológica, o nosso equilíbrio emocional, e as respostas são exatamente as mesmas. Uma pessoa que nos desperta medo, insegurança, ou através da qual nos sentimos atacados, vamos imediatamente defender-nos assumindo uma destas três atitudes: fugimos (evitamos a pessoa, fingimo-nos indiferente ou negamos o problema), atacamos (entramos em discussões, assumindo uma atitude arrogante ou de vítima), ou paralisamos (ficamos incapazes de contactar o que sentimos ou de dizer o que pensamos).

Ao contrário de um perigo real que põe em causa a nossa sobrevivência física, ter um destes três comportamentos numa situação de desconforto psicológico reflete uma atitude defensiva e, portanto, uma rejeição à possibilidade de aprendizagem e enriquecimento através da vivência da experiência. Defender-nos do exterior implica uma recusa a nos envolvermos com ele. Se muitas vezes essa defesa ainda é necessária – não sentimos ter estrutura para tal envolvimento –, muitas outras há em que essa defesa é apenas um muro que perpetua uma perceção subjetiva de hostilidade quando, na verdade, essa hostilidade já não existe.

Enquanto que fisicamente essas reações nos podem salvar a vida, psicologicamente elas reforçam a estagnação do nosso processo evolutivo. Quando não nos sentimos preparados para dar um passo diferente na nossa caminhada, fugir, lutar ou paralisar é a única forma de nos protegermos, tal como aprendemos em criança para nos defendermos do mundo ameaçador dos adultos. Responder evitando, entrando em conflito ou congelando não é negativo, desde que usado com a plena consciência de que ainda não se consegue fazer diferente. E haverá sempre momentos, contextos e situações onde talvez nunca consigamos fazer de outra maneira. Aprender e crescer estende-se pela vida inteira! O primeiro passo é só mesmo ganharmos esta consciência: se a fuga não resolve, o conflito distancia-nos e o congelamento aprisiona. E crescer psicologicamente também é assumir que ainda não se é capaz de ir por outra direção numa situação de ameaça.

No entanto, resistir à entrega traz-nos três grandes desvantagens: o padrão repete-se, por muito que se alterem as condições exteriores (contextos e/ou pessoas); o mal-estar vai aumentando, pois rejeitar pressupõe uma insistência em não olhar para o que grita por atenção; não traz crescimento psicológico.

Partindo do princípio que a realidade exterior não muda – acreditar que sim é a ilusão da nossa visão infantil –, a única solução é conseguir alterar algo em nós que nos faça sentir e percecionar esse exterior de forma diferente para que deixe de nos ferir. Mas alterar algo em nós não implica esforço, luta, adaptação e muito menos sujeição e passividade. Isso seria desrespeitar a nossa natureza. É como ser um girassol num campo de papoilas e esforçarmo-nos por ter pétalas vermelhas para evitar as diferenças.

Quando falo em mudança não me refiro ao exterior: nem dos outros, nem nossa em termos de ações ou aparências. Não é pintar as pétalas para fingir que agora somos papoilas, nem muito menos lutar para que todas as papoilas se transformem em girassóis. Quando era miúda e tinha problemas de obesidade dizia muitas vezes a mim própria: ‘eu não quero conseguir resistir à comida, eu quero é deixar de ter vontade de comer’, pois intuía que se a mudança fosse interna e profunda, o problema desaparecia.

Por experiência pessoal e profissional só vejo um caminho que dá espaço a uma real mudança interior: o caminho da entrega e da aceitação. Para isso temos de desviar o foco da nossa atenção de fora para dentro. Já Jung dizia que quem olha para fora ilude-se, quem olha para dentro desperta. Passar do mundo da fantasia – onde queremos tudo à nossa imagem e semelhança e nos enraivecemos quando os outros não sentem nem pensam como nós – para a realidade – onde a nossa esfera de ação se cinge ao sentimos e pensamos –, é um percurso extremamente difícil, pois implica uma viragem muito grande no modo como fomos habituados a viver a realidade.

Quando focamos a nossa atenção no exterior e nos revoltamos com o que vemos, isto acontece porque o fazemos através do filtro do nosso self infantil que exige tudo à sua maneira. Mesmo a classificação do que é (in)correto parte de uma escala de valores e crenças que não contempla divergências. Consideramos que a nossa leitura do mundo é a mais adequada e quem nos apresenta outras perspetivas é facilmente alvo de julgamento e exclusão do nosso espaço psíquico. Ora, o sofrimento advém precisamente da dificuldade em respeitarmos as diferenças e de aceitarmos a realidade (interior e exterior) pelo que é. É a luta por um mundo (interior e exterior) como o idealizamos que nos traz sofrimento e, com ele, vem a frustração e a desilusão. E claro, só se desilude quem se ilude; só se frustra quem cria expectativas.

entregaDe um ponto de vista social, há inúmeras situações que provocam em nós uma vontade de progresso, de desenvolvimento, e felizmente há pessoas capazes de intervir com vista a um mundo melhor. Claro que em contexto social há que olhar para fora, para o que nos rodeia, e fazer o que está ao nosso alcance para introduzir mudanças no que consideramos que não funciona adequadamente. No entanto, e porque somos pessoas com uma estrutura psicológica individual, só conseguimos contribuir adequadamente para um todo mais saudável quando individualmente temos uma estrutura psicológica igualmente saudável. Há uma sinergia entre o indivíduo e a sociedade impossível de quebrar, mas sabemos que a nossa contribuição para um mundo melhor, para relações mais nutridoras e enriquecedoras, reflete a nossa disponibilidade em acolher o que vem de fora como oportunidade de crescimento individual e não como como ataque à nossa identidade pessoal.

Falando então de um ponto de vista estritamente psicológico, de bem-estar individual, a possibilidade de transmutar o sofrimento em crescimento ganha espaço através de um olhar amorosamente curioso para as nossas dinâmicas internas, de uma aceitação dos conteúdos que fazem parte de nós – medos e desejos, inseguranças e necessidades, fragilidades e potencialidades –, de uma entrega a viver o que o exterior nos traz sem certezas do resultado, mas com a certeza de que não morremos interiormente.

É importante assumir a impermanência da vida, com a confiança de que, aconteça o que acontecer, não só a nossa estrutura interna sobrevive como pode ser fortalecida pelas aprendizagens que o caminho nos proporciona. Mas só as conseguimos fazer se nos entregarmos à exploração e descoberta do nosso mundo interior, estimulado por um exterior que muitas vezes sentimos como uma ameaça. Ao nos permitirmos olhar para a ameaça como uma oportunidade, abandonamos o esforço que fazemos para evitar a ‘cena temida’, baixamos as defesas, e entregamo-nos à riqueza da experiência.

Fica então aqui a minha sugestão: atiremo-nos às águas da vida com consciência, em contacto com o que sentimos e olhemos para o que acontece com abertura, pois enquanto não o fizermos vamos viver na tensão da fuga, do ataque ou do congelamento quando a vida pode ser bem mais serena e divertida!