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Esperança precisa-se

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Um dos mitos clássicos da Grécia antiga conta-nos a história de Pandora, a primeira mulher criada pelos deuses por ordem de Zeus. Cada um dos deuses concedeu a Pandora uma qualidade particular que a fazia possuir características singulares e contraditórias: beleza e perfídia, inteligência e mentira, sedução e astúcia. Zeus atribuiu-lhe a missão de castigar os homens, como vingança por Prometeu lhe ter roubado o fogo divino e o ter entregue aos humanos.

Zeus envia Pandora a Epimeteu, irmão de Prometeu. Apesar deste o prevenir de que não devia aceitar qualquer presente dos deuses, Epimeteu fica fascinado com a beleza de Pandora e toma-a como esposa. Pandora recebe de Zeus como presente de núpcias um vaso, ou uma caixa, que suscita a sua curiosidade e que contem todos os dons conhecidos, os bons e os maus. Um dia Pandora retira a tampa da caixa e os males espalham-se pelo mundo, enquanto os bens escapam e regressam ao domínio dos deuses. Exceto um, que fica no fundo e não chega a sair porque Pandora volta a fechar a caixa. O que resta no fundo da caixa de Pandora é a esperança.

Os humanos ficaram deste modo a padecer de todo o tipo de males, como a morte, a doença, a dor, o ódio, a violência, a guerra, enquanto a esperança continua fechada na caixa de Pandora como derradeira consolação de quem espera dias melhores.

O mito de Pandora presta-se a várias interpretações em torno de uma questão ainda hoje pertinente: é a esperança um dom positivo ou negativo? É a esperança uma mera ilusão que nos engana, nos leva a distorcer a compreensão do que acontece e a perder o contacto com a realidade? Ou é a esperança o alento de que precisamos para ganhar confiança em nós próprios e vencer os desafios e os obstáculos que fazem parte da vida?

Além das mitologias pagãs também várias religiões usaram a noção de esperança como esteio da suas doutrinas. No Cristianismo a esperança é, juntamente com a fé e a caridade, uma das três virtudes teologais. Segundo a doutrina, as virtudes teologais não são adquiridas através da vontade ou do esforço humanos, uma vez que seriam concedidas diretamente por Deus aos crentes como sinal da salvação da alma. A esperança de inspiração divina estaria nos antípodas do desespero humano que aflige muitos fieis nos momentos de maior dúvida e sofrimento.

Esta antinomia entre esperança e desespero, entendida como conflito de emoções susceptível de influenciar o pensamento e o comportamento humanos, interessa particularmente à psicologia, na medida em que contribui para esclarecer o estado de ânimo da pessoa e a possível evolução da sua relação com o mundo, com os outros e consigo mesma.

A psicologia positiva retomou a tradição secular da sabedoria antiga acerca da ética das virtudes que proporcionam ao ser humano a hipótese de felicidade e nas quais se inclui a esperança. Há uma razão pragmática para não descurarmos a prática das virtudes que encaminham a vida para o bem-estar: ao adotá-las sentimo-nos melhor com nós próprios e com os outros, somos mais apreciados pelo meio social e é provável que, deste modo, sejamos mais eficazes a conseguir os nossos objetivos.

Embora a invocação da esperança possa ser um terreno fértil para os vendedores de ilusões, a esperança é uma atitude indispensável mesmo para aqueles que contam apenas com as suas forças. Enquanto virtude estritamente humana, a esperança requer a firmeza das convicções e a determinação para trabalhar no sentido de as realizar. Ter esperança não é ficar inerte à espera que as nossas aspirações aconteçam por um passe de magia, é tão somente a disposição de perspetivar o melhor futuro possível para os vários aspetos da vida e dar-lhe um sentido. A esperança é um antidoto contra a incerteza e o derrotismo, alimenta o desejo que as coisas corram bem, dá o alento necessário para prosseguir um caminho traçado e estimula a resiliência.

A esperança é uma virtude direcionada para o futuro e, como tal, carregada de potencial positivo. Está, portanto, associada ao pensamento otimista e à motivação para alcançar objetivos concebidos por iniciativa própria. Se as pessoas otimistas têm mais sucesso do que as pessimistas é precisamente porque acreditam em si, são persistentes, não desistem, em suma, têm esperança.

É certo que o otimismo em excesso pode afastar-nos do princípio de realidade e fazer-nos perder a consciência da nossa dimensão no mundo. Assim, não é prudente deixar de avaliar os riscos e as dificuldades inerentes a cada situação que enfrentamos e de ponderar racionalmente as hipóteses que estão ao nosso dispor.

A esperança tem um fundamento mais sólido do que o otimismo. Enquanto este tende a acreditar simplesmente no curso favorável dos acontecimentos, a esperança é indissociável da atitude concreta que anima o sujeito a identificar os objetivos que pretende e a encetar as ações adequadas para os conseguir. Nenhum projeto se concretiza se não acreditarmos nele e na nossa capacidade para o levar a cabo.

Nesta perspetiva a esperança é indissociável da força de vontade e da crença em si próprio para executar com êxito determinadas tarefas ou metas. As pessoas que acreditam na sua eficácia têm tendência para definir projetos mais ambiciosos e inovadores, para levar a cabo as decisões que tomam e os compromissos que assumem.

As pessoas que acreditam na sua eficácia sentem-se mais motivadas para enfrentar novos desafios e para planificar as suas ações para o futuro. Um individuo competente que duvida de si próprio procede aquém das suas capacidades e engendra surtos de ansiedade que o impedem de ir mais longe. As pessoas que não acreditam em si, ou não acreditam naquilo que estão a fazer, não têm motivação para vencer as dificuldades que enfrentam. Quem não confia em si mesmo tem maior probabilidade de fracassar, de desistir, de perder a esperança.

A esperança tem uma dimensão afetiva variável que não convém ignorar, uma vez que, em parte, é sustentada pelo respetivo temperamento individual. É também mais frequente e natural acalentar esperança na companhia de pessoas que amamos do que estando sozinho. Companheiros, familiares e amigos fazem parte dessa teia maravilhosa em que estão envolvidos os nossos sentimentos mais profundos.  Na medida em que envolve a perceção e o entendimento de resultados desejados, a esperança é um constructo mental de carácter cognitivo que consolida as crenças e os pensamentos positivos.

Olhando para os noticiários do que se passa no mundo temos por vezes a sensação de que alguém se apoderou da caixa de Pandora e continua a espalhar o mal por toda a parte. Não podemos desistir de elevar a nossa existência, de defender a dignidade humana e de contribuir, pelos meios ao nosso alcance, para o bem comum. Nas situações difíceis, a esperança é a última a morrer e a primeira a ser chamada.

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Usufruir da vida terrena

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Sob o tema da felicidade, vimos na primeira lição deste filósofo da Grécia Antiga que devemos encontrar um equilíbrio entre o que temos e o que nos é possível alcançar; na segunda lição de Epicuro foi referida a importância dos amigos; surge agora a terceira lição que nos fala da aprendizagem como um dos grandes prazeres da vida. Aprender contribui para a nossa felicidade não só porque a aprendizagem é uma tarefa coletiva de permanente debate de ideias com os outros, mas porque a descoberta, o conhecimento e a compreensão dos fenómenos do mundo nos permitem tomar consciência do que há de maravilhoso e único na existência humana.

No entanto, a maior ameaça que paira sobre a felicidade do ser humano – mesmo daqueles que são ricos ou poderosos – é o medo da morte e o medo do sofrimento para além da morte. Sobre esta questão, Epicuro defende uma posição materialista de grande sensatez. Se é certo que devemos evitar qualquer tipo de dor, a morte em si mesma é algo que não sentimos porque deixamos de sentir no preciso momento em que ela acontece. Dito de outro modo, enquanto cá estamos, a morte não existe, quando a morte existe, já cá não estamos. Da mesma maneira, não nos devemos inquietar com o que nos acontece depois da nossa morte, uma vez que os humanos e os deuses coabitam em mundos distintos.

Depois de morrer, não temos de recear a ameaça dos deuses ou do que quer que seja, pois pura e simplesmente não existindo já nada existe. Assim como nada existia para nós antes de nascermos, nada existe depois de morrermos.

Por isso, a conclusão que se impõe é que devemos aproveitar a vida o melhor que pudermos, tirando partido de todos os pequenos prazeres que ela diariamente nos propicia.