
Fala-se no desapego, na aceitação e no respeito pelas diferenças com uma certa simplicidade. É tão simples quanto raro, pois somos seres emocionalmente inseguros, com medo de sofrer e de reviver dores, pelo que a nossa visão hoje poderá estar mais aberta a conceitos como a liberdade, a impermanência e a incerteza, mas parte do nosso coração quer a segurança de que os nossos sentimentos são correspondidos e que recebemos o que precisamos para uma estabilidade emocional.
Todos temos necessidades psicológicas. Todos, sem exceção. Tal como uma planta precisa de água para sobreviver e florescer, nós precisamos de aceitação, nutrição afetiva, liberdade de expressão, confiança, reconhecimento e valorização. Transportamos as necessidades não supridas em criança para a fase adulta numa incessante busca no exterior do que nos falta no interior. Colocamos fora a esperança e a responsabilidade do nosso apaziguamento e enquanto mantivermos a fantasia de que os outros existem para nos completar, permanecemos na carência.
E relações pautadas pela carência nunca serão relações saudáveis. Mas relações pautadas pela desresponsabilização da atenção e do cuidado para com o outro também não.
O que é então uma relação saudável? Essencialmente, é um espaço onde recebemos a oportunidade de dar. Dar quem somos. Exprimir o nosso ser, nas suas fragilidades, forças e potencialidades. É onde o outro abre o coração com entusiasmo e vulnerabilidade para receber quem somos e partilhar quem é. E vice-versa. É onde os movimentos de dar e receber criam uma dança nem sempre confortável, mas que nos leva à expansão da consciência, a um crescimento psicológico e a uma evolução espiritual.
Recordo um episódio em que um dos meus irmãos ia ser submetido a uma cirurgia e precisava de alguém que o acompanhasse. Com uma certa preocupação por não me querer maçar, o que ele na verdade me deu foi o privilégio da partilha de uma experiência, sobretudo interior. Deu-me a oportunidade de lhe poder oferecer a minha companhia, a minha atenção, o meu afeto. E é no dar que nos preenchemos, não no receber. Receber acalma o ego; dar nutre a alma – e precisamos de ambos para a experienciar a plenitude da nossa existência.
O dar que nutre a alma pressupõe um ato de generosidade do que já existe dentro de nós. Só conseguimos acolher a dor/alegria de alguém quando acolhemos a nossa; só conseguimos respeitar as suas necessidades quando respeitamos as nossas; só conseguimos ser sinceros quando o somos connosco. Ao tentar dar uma qualidade ainda não desenvolvida, entramos em esforço e o esforço não só chega ao outro como um peso, como exige recompensa. Colocamos energia mental na ação (ex. eu tenho de o aceitar) sem o acompanhamento da energia emocional (ex. na verdade queria que ele fosse diferente). Assim, as ações caem no vazio da carência que desencadeia uma cobrança. Na carência, o dar é experienciado como um perder parte de si próprio: dar é sacrificar-se, é sujeitar-se, é abdicar da própria liberdade… Isso então não é dar, é desrespeitar-se. É trair-se. Invertendo posições, mas ainda na carência, receber também nunca é suficiente: a insatisfação perdura como um poço sem fundo.
Se o que sentimos é simplesmente não existir reciprocidade e sim um desequilíbrio entre o dar e o receber, então chegou o momento de nos perguntarmos o que nos mantem na relação. O saudável é dar sem a expectativa do retorno, mas não receber cria estagnação na dinâmica relacional. Os passos de apenas um desonram a essência da dança. A alma e o ego precisam de colaborar harmoniosamente na sua missão de dar e receber com autorrespeito e amorosidade. Aniquilar o ego é matar a nossa identidade; cortar a expressão à alma é abafar a nossa essência.
Parece tudo simples, mas as emoções ofuscam bastante o processo. Embora o sentimento de gostar seja a base a partir da qual vale a pena debater o resto, os medos levam-nos a defesas e a máscaras que nos aprisionam na experiência da insatisfação, da frustração e da cobrança. E isso não é amor. Isso é medo. É imaturidade. E no que toca às relações e à parte afetivo-emocional, somos ainda muito imaturos. Então por onde anda o amor? A paixão vive da imaturidade das carências, o amor vive da maturidade da consciência. Só na relação existe a possibilidade da transformação. Será que estamos disponíveis para a esse desafio?
No amor não pedimos, damos. No amor não queremos, partilhamos. No amor não cobramos, acolhemos. No amor não nos alimentamos, nutrimos. No amor não salvamos, cuidamos. No amor não exigimos, aceitamos. No amor não empurramos nem travamos, acompanhamos. No amor não conquistamos, apenas somos.
Na dança do amor estamos atentos a nós e integramos o parceiro. É o amor próprio que nos permite amá-lo. Mas o amor próprio não fica no próprio, exige expressão. Amor é compromisso, não no sentido de cumprir regras pré-estabelecidas segundo o rótulo da relação, mas compromisso consigo próprio em aceitar, respeitar e cuidar da pessoa que nos dá o privilégio de nos receber com o que temos para dar. Quando ambos damos, ambos recebemos. Essa é a dança de um encontro alquímico.
«Ninguém cura ninguém e ninguém se cura sozinho. As pessoas curam-se no encontro. Apenas na alquimia do encontro ocorre a transformação.» – Roberto Crema