
Um dos maiores desafios nas relações é aceitar o outro tal como ele é. Aceitar não no sentido de nos sujeitarmos aos seus comportamentos, mas sim de olhar para ele e vê-lo por aquilo que ele realmente é, sem ilusões nem idealizações, e respeitar as suas escolhas, sem a insistência que alterem. Muitas são as vezes em que ficamos incomodados quando não vê as situações como nós, quando não pensa como nós, quando não sente o mesmo do que nós e quando não age como nós agiríamos na mesma situação. Queremos as pessoas à nossa imagem e semelhança e enquanto não tivermos consciência disso, as relações são uma luta para que os outros sejam mais como nós em vez de serem uma oportunidade de crescimento através das diferenças. Uma relação saudável não se baseia na tentativa de mudar o outro (sabemos que é invasor quando tentam fazê-lo connosco), mas sim de aprender a lidar com as diferenças e de crescer através delas.
Ouve-se dizer que o que nos incomoda dos outros corresponde a partes de nós: o chamado efeito espelho. «Mas incomoda-me porque sou assim?». Efetivamente, não faz muito sentido. Quando se diz que o outro é o nosso espelho significa que é através do impacto que o seu comportamento tem sobre nós que conseguimos aceder a partes nossas. Como quando nos olhamos ao espelho: é-nos enviado um estímulo (reflexo do nosso rosto) que tem um determinado efeito em nós próprios. Os estados de paixão também refletem o efeito espelho: não nos apaixonamos pela pessoa, mas pelo que ela nos faz sentir.
Independentemente do estímulo, ou seja, neste caso do outro, o que importa é o impacto que este tem sobre nós, pois o mesmo estímulo pode provocar sensações completamente diferentes em pessoas diferentes. Uma minha cliente contou-me a reação que os dois irmãos tiveram quando ela lhes disse que eram os homens mais importantes da sua vida: um deles ficou muito comovido e sensibilizado e o outro acusou-a de ser manipuladora e de fazer chantagem emocional. A reação de cada um diz muito sobre a história individual.
Assim, para prosperarmos nas relações e, percebermos o que se passa connosco e o que podemos e queremos melhorar, temos de nos questionar: o que estou a sentir neste momento? Que partes de mim é que estão a ser ativadas através da interação com esta pessoa? Que tipo de pensamentos me vêm à cabeça quando penso nela? Quando conseguimos desviar o foco do outro para nós próprios abrimo-nos a possibilidade de crescimento e mudança. Mantermos a atenção nas atitudes do outro é, pelo contrário, uma forma muito eficaz de fugirmos de nós.
O psicólogo Guy Winch tem uma TED Talk na qual explica que não conseguimos tratar das nossas feridas emocionais se nem sequer soubermos que elas existem! E a possibilidade de sabermos que elas existem é quando alguém toca nelas. É como ter uma ferida e não a ver , mas quando alguém nos abraça, a sua intenção estará longe de ser a de nos magoar, mas através do seu gesto somos tocados e isso magoa-nos. Porém, a ferida é nossa! A forma como nós pensamos e sentimos é exclusivamente nossa, não é do outro. Mas é o outro que nos ativa a forma de pensar e sentir, pelo que só através do outro temos esta fantástica oportunidade de entrar em contacto com as nossas dificuldades, bem como com todo o nosso potencial.
Quando encontramos alguém que nos irrita, fazer o exercício de se perguntar qual é a parte de nós que está a ser tocada não é nada fácil. Estamos tão habituados a olhar para fora, a depositar a atenção no outro – criticando, interpretando, julgando e culpando – que a nossa visão fica completamente turva e destorce o verdadeiro cerne da questão. Já Jung dizia que quem olha para fora idealiza e ilude-se; quem olha para dentro desperta. E é através desse despertar que temos a possibilidade de viver as relações de forma nutridora. Ter a humildade de nos pormos em causa e a coragem de enfrentar as nossas dificuldades leva-nos a crescer e a desenvolver todo o nosso potencial. Afinal, é para isso que aqui estamos: dar o melhor de nós próprios para nos sentirmos bem e sermos felizes. A relação é fundamental para isso, pois sozinhos não vamos longe. A relação dá-nos a possibilidade de conhecermos a nossa engrenagem: o que funciona menos bem e precisa de afinação e o que funciona melhor e apenas precisa de manutenção.
Através das dificuldades que sentimos na relação temos a oportunidade de sentir e perceber quais as dinâmicas internas que nos impedem de avançar para uma vida mais autêntica e feliz. Perante uma dificuldade temos duas opções: virar as costas e afastarmo-nos, ou olhar de frente e lidar com ela. A primeira leva-nos para outra relação onde nos havemos de deparar exatamente com a mesma dificuldade, o que significa que estamos a repetir um velho padrão. A segunda, talvez mais difícil e aparentemente mais dolorosa, leva-nos a entrar no jogo da vida para aprender e passar para outro nível de desafio. Crescer pode ser doloroso e leva tempo, mas qual a alternativa?
As dificuldades que sentimos vêm ativar as nossas necessidades. Uma alimenta a outra. Por exemplo, a dificuldade em sentir-se livre ou autêntico numa relação advém da necessidade de se sentir livre ou autêntico e não conseguir; sentir que o outro não nos dá afeto ou atenção está diretamente relacionado com a necessidade de ter afeto ou atenção e não estar a receber o suficiente. Portanto, as dificuldades que sentimos numa relação remetem para as nossas necessidades. Mas as necessidades são nossas e têm a ver com a nossa história de vida, não com o outro. O outro pode estar a fazer o melhor que consegue e, ainda assim, sentimos não ser na dose certa. Ora, uma relação saudável e nutridora é muito mais do que tentar colmatar as exigências um do outro.
Nas relações tóxicas de dependência, o outro existe para satisfazer as nossas carências e quando tal não acontece sentimos frustração, tristeza, rejeição, humilhação, abandono e traição; nas relações nutridoras conseguimos ir mais além e sentimos que a existência do outro nos ajuda a contactar com as nossas fragilidades, que devem ser vistas e cuidadas, bem como com as nossas potencialidade, que merecem ser reconhecidas e valorizadas. E isso só é possível quando olhamos para o outro como uma oportunidade de nos conhecermos a nós próprios e o escolhemos não como salvador, mas como companhia na viagem da vida.