
“Os alicerces da indústria farmacêutica são os chamados «Grandes 3 D»: depressão, diabetes e demência. Mas o grupo de medicamentos com maior crescimento no planeta são as estatinas, usadas para reduzir o colesterol. O medicamento que me foi dado quando saí do hospital.
As estatinas são fundamentais para compreender de que forma ficámos todos viciados em medicamentos. Quando tive o meu AVC, entrei na zona indefinida entre os prados soalheiros da saúde e o vale profundo da doença. A zona indefinida é onde a indústria farmacêutica obtém o seu lucro. Ampliando ao máximo a zona indefinida, a indústria farmacêutica maximizou o potencial da doença e tropeçou numa revelação. Em vez de tratar doenças existentes, medicariam a vida moderna. Reinventariam a doença rotulando as ansiedades e neuroses nebulosas da vida moderna como síndromas médicos. E, por isso, passámos a ter, por magia, mais doenças do que tínhamos há cinquenta anos.
Sofrendo um AVC, coloquei me na parte mais funda da zona indefinida em que os medicamentos são encarados como «medida preventiva sensata». Mas milhões de pessoas em todo o planeta que tomam Simvastatin nunca tiveram um AVC. Porque lhes foram receitadas estatinas? Alguns dias depois de ter alta, fiz essa pergunta ao médico que se ocupou de mim: «Quer a explicação oficial ou o que penso?» As duas coisas. «Muito bem. A explicação oficial é que, mesmo que a hipótese de AVC seja de 0,05%, deverá tomar estatinas durante o resto da vida.» E o resto das pessoas?
«Há mais ou menos uma década, as empresas farmacêuticas deram carta branca aos médicos para receitarem estatinas não apenas para prevenir enfartes mas para tudo. Por isso, receitamo-las como rebuçados a quem tiver mais de quarenta anos, como medida preventiva. Isto é comparado ao paciente com a instalação de um sistema antigelo no carro ou com a limpeza rotineira do interior de uma chaleira. Mas não sabemos em quem funcionam», continuou. «Pode ser em menos de 5%, com os restantes 95% a tomá-las inutilmente. Mas há uma coisa certa. Há um vencedor nisto: a indústria farmacêutica.»
Em 1980, Henry Gadsen, CEO da Merck Pharmaceuticals, foi entrevistado pela revista Fortune. Os seis gigantes farmacêuticos estavam em apuros pela primeira vez nos seus cento e cinquenta anos de história. A explosão de drogas receitadas no pós guerra, atingindo o seu auge nos anos 60 com o Valium, passou a estar ameaçada. As patentes que tinham alimentado a sua transformação de lojas de esquina oitocentistas em conglomerados multinacionais do século XX estavam prestes a tornar se genéricas. E acontecia com todas em simultâneo.
A solução de Henry Gadsen para o fim das patentes era arrojada na sua formulação. «O problema que enfrentávamos era a limitação do potencial dos medicamentos aos doentes», disse à revista Fortune. «Poderíamos ser mais parecidos com a pastilha elástica Wrigley’s… Há muito tempo que sonho fabricar medicamentos para pessoas saudáveis. Para poder vendê-los a toda a gente.»
(…)
Uma parte da profecia que se concretiza a si mesma de uma sociedade sobremedicada é o facto de, depois de criada, os medicamentos passarem a ser exigidos. A Dra. Williams diz que tem pacientes que a procuram porque o seu animal de estimação morreu, exigindo antidepressivos. Estão tristes, diz, e não deprimidos. E a tristeza faz parte de se ser humano. Mas porque esta infelicidade não se integra na brochura publicitária da vida moderna, exigimos medicação para a obliterar. «As pessoas têm uma expectativa de que a felicidade deverá ser uma normalidade perpétua. Não é, mas criámos esta expectativa pouco realista de que deverá ser» e as drogas estarão lá para permitirem que aconteça.
Vince Parry trabalhou para a Eli Lilly nos Estados Unidos, onde o antidepressivo Prozac foi originalmente desenvolvido como medicamento dietético. Não tinha sucesso como ferramenta para auxiliar a perda de peso até alguém na empresa ter uma epifania. Loren Mosher, psiquiatra de Princeton, acreditou que o melhor seria afastar o Prozac do emagrecimento e vendê-lo no mercado da depressão. O medicamento estava prestes a criar a indústria da felicidade.
A felicidade é uma aspiração humana universal, mas a expectativa de felicidade perpétua, de acordo com a Dra. Williams, deixou-nos mais deprimidos e aumentou a sensação de desadequação nos pacientes. A meta a alcançar passou a estar mais distante e tudo o que não conseguir alcançá-la não poderá ser tolerado quando temos expectativas pouco realistas de sentir felicidade total em permanência, exigindo medicação para manter esse estado.
E, para alterações de humor subtis e com graus variáveis que não se encaixem neste estado de graça emocional, temos síndromas definitivas e drogas para nos deixarem nas nuvens. Os medicamentos receitados tornam-se um sedativo normalizado para qualquer estado: euforia maníaca, inquietação, tédio, depressão, superação de expectativas e exaustão, pobreza e tudo o que encaixar entre esses elementos. Medicamentos para lidar com a vida moderna, com os quais Henry Gadsen sonhou, e um comprimido para atordoar qualquer sensação. E em nenhum aspeto esta classificação e atordoamento com medicamentos será mais comum do que com crianças «difíceis», diagnosticadas aos milhões com TDAH (transtorno do défice de atenção e hiperatividade).
Mais de seis milhões de crianças americanas, 11% entre os quatro e os dezassete anos, foram diagnosticadas com TDAH (transtorno do défice de atenção e hiperatividade). O número duplicou numa década e conhece aumentos graduais de ano para ano.
Em San Bernardino, assisti a uma sessão terapêutica entre um psicólogo e uma criança de nove anos diagnosticada com TDAH. Foi diagnosticada pela primeira vez aos cinco anos, mesmo que o terapeuta ajude crianças com idades tão precoces como os três anos. O rapaz mostrou-se nervoso do início ao fim. Quando lhe foi perguntado porque estava ali, murmurou que não sabia. Quando lhe foi perguntado como se sentia, começou a torcer furiosamente os dedos. Perguntei aos seus pais porque era assim. «Está medicado.» Acham que isso lhe é benéfico? «Concentra-se muito mais na escola, sem dúvida.» Como foi diagnosticado? «Não achámos que tivesse um problema, mas, quando começou as aulas, a professora disse que achava que tinha TDAH e foi diagnosticado.» Não acharam que houvesse um problema antes? «Não.» Quantas crianças na turma são como ele? «Cerca de 30% têm TDAH.»”
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