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Tanto sacrifício… Para quê?

férias

Hoje em dia tornou-se normal vivermos para o trabalho. Trabalhamos mais de oito horas por dia, muitas vezes seis dias por semana. Há pais que mal veem os filhos, casais que vivem juntos e mal se conhecem. Trabalham sem parar, sempre a pensar nas desejadas férias que tanto demoram e depois passam tão depressa. Juntam dinheiro para fugir da rotina por quinze dias, enquanto passam todos os outros dias do ano absolutamente infelizes. Para quê?

A maioria de nós não sabe viver no presente. Estamos sempre à espera das próximas férias, do próximo Natal, da próxima escapadinha. Sempre à espera de momentos efémeros que nos escapam por entre os dedos e, mesmo enquanto estamos a vivê-los, já estamos a pensar no que vamos fazer a seguir, por isso nem esses momentos aproveitamos verdadeiramente.

Isto parece-lhe razoável? Provavelmente não, mas então porque é que insistimos em viver assim? Estamos condicionados por uma sociedade que nos ensina a nunca estarmos satisfeitos com o que temos, que nos promete que seremos mais felizes quando formos para um hotel de cinco estrelas, quando tivermos um carro novo, quando formos promovidos no emprego. Quando, quando, quando? Um dia, quem sabe!

Pare. Pense.

Não seria bom sentir-se todos os dias como se estivesse de férias? Eu sei, todos temos de trabalhar, mas se o seu emprego lhe torna os dias assim tão cinzentos que passa o dia a suspirar pelo sol das férias perfeitas que nunca chegam, não acha que está na hora de mudar? E se não puder mudar de emprego? Também não é desculpa: mude a rotina. Arranje uns minutos para si todos os dias, uns minutos apenas para se sentir bem. Comece um novo passatempo, leia um capítulo de um livro, dê uma caminhada, veja um episódio da sua série preferida, converse com aqueles de quem mais gosta. Não importa o que faz, mas enquanto estiver a fazê-lo, tente não pensar em mais nada. Desfrute apenas do presente e sinta-se bem agora.

Ficar à espera das próximas férias? Para quê?
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A Busca

dia

«So coming back from a journey, or after an illness, before habits had spun themselves across the surface, one felt that same unreality, which was so startling; felt something emerge. Life was most vivid then.» – Virginia Woolf

No meu último dia de trabalho em Portugal, o meu director despediu-se de mim dizendo-me: “Espero que encontres o que procuras”. Não tenho memória do que lhe respondi. Mas registei a ironia daqueles votos feitos sem que soubesse que eu tinha terminado de ler, havia muito pouco tempo, o livro de Miguel Sousa Tavares com o sugestivo título Não se Encontra o que se Procura.

Já se passaram seis meses sobre este episódio — tão breve e aparentemente simples, quando comparado com os reviralhos que vivi recentemente — e ainda assim penso naquelas palavras quase todos os dias: “Espero que encontres o que procuras”. Embora já me tivesse deparado com variantes desta frase — como quando me perguntam o que procuro ao viajar ou quando me atiraram à cara, há umas semanas, um desdenhoso “Vê se decides o que queres da vida” —, surpreendo-me frequentemente enredada no exercício, por um lado estimulante, mas também frustrante e, quem sabe?, inútil de tentar responder à pergunta: ando eu à procura de alguma coisa?

Como as cerejas, a questão trouxe outras questões: na vida, é preciso procurar objectivamente alguma coisa? E é preciso saber nomear essa coisa? E se eu efetivamente andar à procura, mas não souber bem do quê, será isso sinal de pouca inteligência ou, quiçá, de total desnorteio? Desnorteio ou desassossego? E o desassossego é mau? É saudável procurar-se até ao fim da vida? Será mau morrer-se sem se ter achado? Significará isso que a vida foi em vão? Será válido argumentar-se que ao menos se sabe muito bem o que não se procura? Ou poderei escudar-me em Mia Couto que, n’ A Varanda do Frangipani escreve: “O que se encontra nesta vida não resulta de procurarmos”?

Em 1998, numa viagem de avião de Lisboa para La Valetta, em Malta, levava no regaço o livro de Jostein Gaarder, O Mundo de Sofia. Sentada no outro lado da coxia seguia uma adolescente que lia o mesmo livro. Teria uns 12 anos. Eu tinha 25. Foi nesse trajecto, a dez mil metros de altitude, numa noite de abril iluminada por uma lua cheia memorável, que descobri a mais bela definição de filósofo: alguém que, de acordo com Gaarder, mantém uma infantil capacidade de se espantar com as coisas mais simples. Um pouco como aquele miúdo de seis anos que se extasia perante a visão de um banal cão. E na exclamação que profere — “Olha, um cão!” — há o deslumbramento puro da primeira vez, como se uma misteriosa força da natureza tivesse acabado de criar naquele preciso momento e à frente dos seus olhos, o primeiro exemplar da espécie.

Foi esta explicação de Gaarder que recordei pela enésima vez há umas semanas quando me chegaram por acaso, através de uma newsletter, as palavras de Virginia Woolf com que abro este texto. Daquele pequeno parágrafo e da atitude do filósofo extraio a única coisa que eu sei com toda a certeza que procuro nesta vida: justificar cada novo dia da minha segunda oportunidade aqui.

Nessa procura, evito a sucessão de dias sem distinção e sem memória. Evito a voragem das semanas consumidas pela rotina e pela falta de significado. Como diz Woolf, quero sentir que algo emerge todos os dias, que faço algo memorável acontecer — por muito pequeno que esse algo seja — ou que sou capaz de valorizar um acontecimento menor, um detalhe que à primeira vista poderia ser nada.

Quero “curtir esta trip permanente” (palavras com que o meu irmão descreve a minha postura) que é estar cá e não dar por adquirido o dia de amanhã. E quero, como o filósofo e como as crianças, nunca matar em mim a capacidade de me espantar com o mais simples. Quero, por exemplo, fechar os olhos para sentir melhor a brisa fresca que entra agora mesmo pela janela aberta, a brisa que traz consigo o barulhinho bom da chuva a cair sobre o Mindelo e o cheiro doce a terra molhada. Em Cabo Verde, a chuva é ouro. Para a maioria, é a diferença entre a miséria e um ano remediado.

Daqui a pouco, quando estiver a adormecer, talvez faça deste preciso momento a pequena grande memória do dia.
E tu, já encontraste o que procuras?
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Usufruir da vida terrena

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Sob o tema da felicidade, vimos na primeira lição deste filósofo da Grécia Antiga que devemos encontrar um equilíbrio entre o que temos e o que nos é possível alcançar; na segunda lição de Epicuro foi referida a importância dos amigos; surge agora a terceira lição que nos fala da aprendizagem como um dos grandes prazeres da vida. Aprender contribui para a nossa felicidade não só porque a aprendizagem é uma tarefa coletiva de permanente debate de ideias com os outros, mas porque a descoberta, o conhecimento e a compreensão dos fenómenos do mundo nos permitem tomar consciência do que há de maravilhoso e único na existência humana.

No entanto, a maior ameaça que paira sobre a felicidade do ser humano – mesmo daqueles que são ricos ou poderosos – é o medo da morte e o medo do sofrimento para além da morte. Sobre esta questão, Epicuro defende uma posição materialista de grande sensatez. Se é certo que devemos evitar qualquer tipo de dor, a morte em si mesma é algo que não sentimos porque deixamos de sentir no preciso momento em que ela acontece. Dito de outro modo, enquanto cá estamos, a morte não existe, quando a morte existe, já cá não estamos. Da mesma maneira, não nos devemos inquietar com o que nos acontece depois da nossa morte, uma vez que os humanos e os deuses coabitam em mundos distintos.

Depois de morrer, não temos de recear a ameaça dos deuses ou do que quer que seja, pois pura e simplesmente não existindo já nada existe. Assim como nada existia para nós antes de nascermos, nada existe depois de morrermos.

Por isso, a conclusão que se impõe é que devemos aproveitar a vida o melhor que pudermos, tirando partido de todos os pequenos prazeres que ela diariamente nos propicia.